A semana passa devagar, os escorrem os dias numa ampulheta do tamanho do mundo. Horas, minutos e segundos, escorregam lentamente. O tempo caminha devagar... Não há pressa. No relógio da vida, a contagem é regressiva.
— Estás pronta? Telefona ele para Ravenala.
— O sarau é amanhã, menino. Parece que nasceste de sete meses!
Chegado o momento Robert toca o interfone, Ravenala, já o esperava. Surpreso, viu o livro de Alice.
— Que privilégio é este?
— Amizade, meu caro! Amizade. Alice goza de minha amizade e conhece meu projeto. Sabe que me acompanharás na empreitada do livro que devemos produzir juntos. Isto é, se aceitares minha proposta.
— Como não!
— Alice ofereceu a chácara. O lugar é bonito e sossegado.
Sentou-se ao volante. Estendeu a mão e destravou a porta do carona. ‘Entre.’ Ravenala esperava por gesto mais delicado. Mas não estranhou tanto, acostumada que era de ver seu pai agir do mesmo jeito com a mãe dela. Silenciosos e sem diálogo algum, seus pais conviviam como se cada um fosse uma pedra. Robert liga a setas para a esquerda. Engrena a marcha e pisa leve no acelerador. Afastou-se cuidadosamente da cidade grande, e meia hora depois, já estava na estrada que leva ao sítio de Alice. Na aba da serra, orquídeas e bromélias, modificam o tom verde da paisagem com arranjos florais de variadas cores. Cai do galho que avança a faixa asfáltica, um minúsculo sagui. Atropelado, agoniza. Grita. E seu grito não alcança os ouvidos da floresta.
— Devagar. Pegue a vicinal. Faltam só dois quilômetros.
— O sítio de Alice é perto assim?
— Hora e meia, apenas.
A casinha branca no pé da serra guarda uma ponte, bem no pongo do córrego, onde a princesa Mariana, outrora se banhava. Lá embaixo, lambaris deslizavam nas águas cristalinas do ribeiro. Fora da baia, o garanhão negro cobria uma égua no cio.
— Linda! Disse Robert..
— Obrigada. Ouvir um elogio com o Sol ainda baixo, eleva a autoestima.
— Estou falando da chácara, bobinha!
Ficou sem resposta. Sentiu a mão dele fazendo gracejos na bochecha dela, e pensou no garanhão negro que vira na manga, roçando o pescoço na crina de uma égua. Correu-lhe um calafrio. Ravenala procurava descobrir outras verdades. E se Robert fosse seu irmão? Em alguma coisa se pareciam com ela: nariz curto, olhos amendoados e cabelos negros... Será que ele também briga com o espelho? Ela possuía dois espelhos em seu guarda-roupas: uma na porta da direita, outro na porta da esquerda. Em um deles se via bonita, mas no outro...E reclamava apontando o dedo para a própria imagem refletida naquele espelho: ‘Menina, você está péssima hoje!’ A autossugestão penetrava profundamente no espelho de sua alma. E naquele dia, tudo se tornava feio para ela.
***
Trecho de "Estrela que o vento soprou."
— Estás pronta? Telefona ele para Ravenala.
— O sarau é amanhã, menino. Parece que nasceste de sete meses!
Chegado o momento Robert toca o interfone, Ravenala, já o esperava. Surpreso, viu o livro de Alice.
— Que privilégio é este?
— Amizade, meu caro! Amizade. Alice goza de minha amizade e conhece meu projeto. Sabe que me acompanharás na empreitada do livro que devemos produzir juntos. Isto é, se aceitares minha proposta.
— Como não!
— Alice ofereceu a chácara. O lugar é bonito e sossegado.
Sentou-se ao volante. Estendeu a mão e destravou a porta do carona. ‘Entre.’ Ravenala esperava por gesto mais delicado. Mas não estranhou tanto, acostumada que era de ver seu pai agir do mesmo jeito com a mãe dela. Silenciosos e sem diálogo algum, seus pais conviviam como se cada um fosse uma pedra. Robert liga a setas para a esquerda. Engrena a marcha e pisa leve no acelerador. Afastou-se cuidadosamente da cidade grande, e meia hora depois, já estava na estrada que leva ao sítio de Alice. Na aba da serra, orquídeas e bromélias, modificam o tom verde da paisagem com arranjos florais de variadas cores. Cai do galho que avança a faixa asfáltica, um minúsculo sagui. Atropelado, agoniza. Grita. E seu grito não alcança os ouvidos da floresta.
— Devagar. Pegue a vicinal. Faltam só dois quilômetros.
— O sítio de Alice é perto assim?
— Hora e meia, apenas.
A casinha branca no pé da serra guarda uma ponte, bem no pongo do córrego, onde a princesa Mariana, outrora se banhava. Lá embaixo, lambaris deslizavam nas águas cristalinas do ribeiro. Fora da baia, o garanhão negro cobria uma égua no cio.
— Linda! Disse Robert..
— Obrigada. Ouvir um elogio com o Sol ainda baixo, eleva a autoestima.
— Estou falando da chácara, bobinha!
Ficou sem resposta. Sentiu a mão dele fazendo gracejos na bochecha dela, e pensou no garanhão negro que vira na manga, roçando o pescoço na crina de uma égua. Correu-lhe um calafrio. Ravenala procurava descobrir outras verdades. E se Robert fosse seu irmão? Em alguma coisa se pareciam com ela: nariz curto, olhos amendoados e cabelos negros... Será que ele também briga com o espelho? Ela possuía dois espelhos em seu guarda-roupas: uma na porta da direita, outro na porta da esquerda. Em um deles se via bonita, mas no outro...E reclamava apontando o dedo para a própria imagem refletida naquele espelho: ‘Menina, você está péssima hoje!’ A autossugestão penetrava profundamente no espelho de sua alma. E naquele dia, tudo se tornava feio para ela.
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Trecho de "Estrela que o vento soprou."