Viajando ligeiro, passa uma nuvem se escondendo do sol. Cavaleiros confabulam e fazem a leitura da nova estação:
— Seco por aqui, não é mesmo?
— Caiu, ontem, uma chuva miúda chorada em peneira fina.
— Deu em mim. Peguei no lombo. Foi só um orvalho.
— Será o orvalho pranto da noite ou uma bênção de Deus?
— Tanto faz. Lágrima é suor da alma. A natureza lacrimeja chorosa. Não aguenta mais tanta agressão.
Desceram a serra que guarda as águas das Sete Passagens. Venceram um morro alto. Adiante, um serrote, mais morro, outro serrote... E foram rompendo estrada, a caminho de casa. João Velho ia pra casa, mas a casa de Xandão é o chapéu. Sem família, sem emprego, a vida era tudo que tinha de seu. Ele cansou de emendar ferro nas fábricas. Ganhou dinheiro em Taubaté soldando turbina, torre de navio... Até a represa de Itaipu conhece seus feitos. Mas cansou de trabalhar com maçarico. Trocou o bico de fogo por um berrante. A mulher o desprezou, e Xandão se tornou vaqueiro errante. Onde encontra sombra, ele desarreia a montaria. Faz da relva travesseiro, se deita e dorme. E vive feliz com a vida que leva, bestando atrás de boi dos outros ou dizendo reza em romaria e procissão.
***
Adalberto Lima, fragmento de "Estrela que o vento soprou."