Vida nas paredes.
Nessas paredes não há mais espaço para caber tantas reclamações. Estão sujas, riscadas, desenhadas. Eram o rascunho da menina. Com o passar do tempo, ela se acostumou com os seus rabiscos e por falta de espaço, começou a fazer um por cima do outro. Começou a ser desenhos grandes por cima de outros. Imagens, nomes, lembranças, vontades, sonhos, utopias e imundícies. O refúgio particular que todos temos, em seu caso, foi tomado em forma de matéria. Era quase sua alma nua naquele dado gigante.
Ficou mais nervosa que o normal, tomando a parede toda. Ficou nervosa porque tinha certas palavras e desenhos incompletos. Sentiu-se anulada e curiosa ao mesmo tempo, pois não se lembrara o que significava os que ficavam por baixo dos novos. Seu nervosismo não era vermelho, era branco. Branco de amnésia. E tomou seu quarto todo. Deu tudo por esquecido, quase uma reencarnação.
Colocou um espelho à sua frente e por lá permaneceu por um tempo que só o vento sabe de cor.
Viu uma boca carnuda bem desenhada, cabelos curtos demais, olhos negros, nuca torneada. Viu que o rosto, mesmo que inexpressivo, era marcante, passava muito. As maçãs dele já eram maduras, seu nariz apontava para o singular e individual, tinha um formato seletivo e sobrancelhas que confundiam acerca de sua experiência sexual, pois eram ambíguas e arqueadas.
Viu que tinha permissão para ver o mundo, fazer parte dele caso tudo fosse mesmo de aparência. Reviu seus anos e suas mágoas passadas. Viu o quanto mudou para estancar os problemas que a atrasava.
Descobriu o segredo.
Estava amofinando.