Nosso Livro da Vida
Enquanto
os campos de flores urgir
o passadiço tempo,
enquanto nenhum navio
largar o porto,
e as senzalas da dúvida
perdurarem entre os presos
tortos,
tenho certeza que
já
escrevevi o Livro da Vida !
E, se, de repente,
o fogo humano bramir
sua inconstância,
e aventar a guerra dos
anos,
e ver minha juventude sorvida
pelo arco e a flecha,
montarei guarda medieval
à sua porta.
E, se mesmo o amor morrer;
Faça lá!
De fora ficarei
guardando sua vida choupana,
seu amor de sonho,
próximo
a nossa amada esbelta,
flor de todas as horas.
Vê se nasce agora como
estrelas, num corpo
nunca, antes, varrido
pelo vento do amor.
E neste carro-de
mão,
cheio de franca esperança,
aproveita,
faz,
tenta,
morre de canseira,
mas,
escreve o Livro da Vida,
pois se tentar outra têmpera
vai chorar
na lenheira
de fogo !
Tempo do Tempo que Vira Vago
Não tenho tempo nem pra começar,
nem pouco para acabar.
É tudo, dizia o alcaide - é tudo -
uma questão de princípio.
Mas eu não tenho
princípio nem fim.
Por isso não começo!
É tudo uma questão de pricipado
pois eles voam alados
a procura do meu vazio !
Tempo eu não tenho mais pra gastar!
Acabou-se ali na esquina.
Desapareceu. Como some o aguardente
na sorvente boca do mendigo.
Tempo eu não tempo mais.
Se é questão de tempo, perdi o meu.
Se é questão de vida ou morte
não sei ainda qual escolher.
Se fico na vida: sobrevivo meio caiado
de verde mortalha;
Se morto escolho, perco meu tempo:
O que vou fazer na eternidade envelhecida?
É tudo uma questão de tempo
E isso lá pra dizer a bem da verdade:
Tempo há muito
mas no paradoxo da vida,
tempo é rarefeito há pouco e não há mais nenhum!
A noite vago por todas as janelas
e vejo todos gastando tempo:
ora aqui, ora ali,
e todos jogando tempo fora.
E como tenho pouco tempo,
muito pouco,
debruço na janela e
vivo no tempo deles!
Sinos da Manhã
O amargo sabor
que pende
indecisa nos critais
da vida
tornam esta variante
de desejos inconformados
e realizações sem frutos
razoáveis.
Asssim,
assim, como
a ave que não voa.
Estou perdido
entre a sextavada
manhã ao badalar dos sinos
que anunciam
minha primeira hora.
Ganhar é de feitura dos
poderosos;
perder é gasto
dos solitários.
O que mais me dói
nesta vida
é ver ao largo
de um porto sem cais
minha presença ressentida
sendo rebatida a beira-mar.
Por isso espero
- sei que é em vão -
sua chegada
em algum lugar de minha vida.
E por isso aguardo, igual a
uma criança,
pelas balas e sorveteiros
vindos de outro mundo
que não é o meu -
você chegar num sábado
de verão
e torná-lo manhã de meu
corpo.
Toque de Pele
Toque de pele
onde roça o sentido,
jorra lá o vinho, entre
de dois a quatro
abraços, nos engajos de vidas
entre beijos e figuras
de mil anjos.
Se calei por este tempo?
Foram os rócios da vida,
que me entortaram de
escuro, nas avenidas
de luzes desconfiadas.
E tudo
rápido passou!
Quando vi, já era erva
nos seus ombros eternos !
Foi um sonho!
Daqueles!
Uma Festa de Toque de Pele!
Se de volta me queres
me toca a pele;
se já me esqueces,
me recobra!
Tal amor que um dia foi
eterno!
Fico no abraço que um dia foi
amor de esferas !
DAS COISAS ILUMINADAS
Restos de coisas,
da sesmaria,
raridades da alma,
me percorrem igual
a um tempo sem ponteiros
por um céu escorrido em calmaria.
Nada levam de mim,
pois de pouca raridade sou feito,
mas procuro, dentro deste tempo,
o açoite que me adestra a dor,
e me leva a um campo de leitos
dos queridos e amados,
feito flor desarmada.
Antes, meus,hoje,
pelejam só na morte!
Não há senso nesse passado,
só figuras dançantes em ritmo
iluminado pela noite,
e que se refletem no
alado trem que dispara, sem trilhos,
para a Cidade do Não Sei.
Não sei perder,
mal sei ganhar,
tenho fama de torto,
e minha deusa do amor
sugere sua indiferença
ao me esquecer.
Ah! Alcatéia de sonhos
dispersem minha ânsia
lá no fim do mundo,
onde meu amor não
tem mais rosto
e, eu,danço sem corpo!
Mulher de Duas Camas e um Cordel de Homens
Sou nobre, formado por
natureza indignada;
sou bem formado
e tenho aliados:
duas esquinas,
e três copos de vinho
que lá compõem o dia.
Sou meio-largado,
mas sou forte.
Sou rasteiro e visgo,
tenho sentinelas
de solidão
amparando meus sonhos.
Se não faço mais
é porque não sei.
Me dedico só a ela.
Mas ela,
bem moderna,
rompe as noites
com de desdéns,
com coronéis,
e aqueles moram
no absurdo.
A mulher, é uma
severa maestrina,
com homens que
nada entendem
da orquestra de saias
e sons de beijos.
E diz que trabalha zoneada
pra sustentar a vida,
pois eu sou suspeito
deste cozimento econômico
alado, muito variado
e conjugado,com camas ornamentais.
Eu, digo que não,
ela se encarrega
de sempre dizer sim.
Se o agasalho dela é de várias
camas,
e muitas chamas de
centavos empoados
de perfumes,
digo eu,
ordenado de desprezo:
ganhei uma mulher na vida
mas não ganhei a vida dela.
(Poesia dedicada à Ticiana)