AVida é Uma Roda que Vive se Repetindo
A vida se repete, num movimento incessante de vidas, rios, lagos e montanhas.
A vida é continuidade de outras vidas.
A vida se agrega à próxima paisagem e faz dela um reflexo do que somos.
Se somos ruins, esta pedra se voltará, um dia, contra nós.
Da mesma maneira, se temos a plena a bondade, esta se revoltará em luz e paz.
De que se adianta viver, sem entender, olhar e não ver, passar e não sentir?
E, no repentino de tudo isso, me medro em cascatas melosas de medo.
O que será de mim, porque não sei quem fui?
O que será de você que não sabe o que fez?
E, se um dia, plainar no denso escuro, sei que meu discurso em vida foi passageiro e sem valor.
Provável que não estava preparado ainda para absorver as coisas que me deram na palma da mão.
Creia. É cevada e jejum!
A vida se repete. E eu não sei se nós estamos se repetindo.
Dedos de Ouro
Escorro os dedos
nas maõs de cálido
dedal...
Pura lembrança:
sou gente grande
pra chorar!
Dedilha,vó,
dedilha no céu,
com linhas e fios
dourados.
Desenha meu nome,
na tenra lã,
mas não morre novamente
de pura solidão.
A Mãe do Prefeito
Assisti, por curiosidade e como cidadão apaziguado, a uma pertinaz sessão plenária, na Câmara de Vereadores de uma cidadezinha qualquer deste interior do Brasil.
Não foi por querer, sou capaz de jurar. É que, tendo a profissão de viajante, percorro quase todas as cidades do nosso Brasil e sempre tem um programa erotizado para se fazer: conhecer vizinhas avulsas, maravilhosas e solitárias.
Mas vamos lá. Naquela noite, perdido no centro do Brasil, não encontrei vizinhas em liberdade. Parece que todas as mulheres resolveram se esconder em casa.
Tentei de tudo, mas parece que eros estava ausente. Andando pelas ruas, sempre mal-iluminadas e cheirando a flores, aí, fiz o melhor que pude : fui na numa sessão da Câmara Municipal - destas milhares que existem no Brasil.
Um prédio luxuoso que contrastava com a cidade, com o poder aquisitivo do povo. talvez aquela iluminação feérica tenha me atraido para seu interior.
Sentei sozinho. Não havia viva alma num plenário que mais parecia uma capela mortuária. Havia uma fileira de 12 cadeiras por 8 fileiras. E eu sentei sozinho no plenário.
Ao sentar numa dela, tudo rangeu e os olhares dos senhores vereadores bateram em cheio em minha pessoa.
Rude em política e alheio às coisas pública que estava ali ou para ver a sessão ou tirar uma soneca, depois de tomar alguns aguardente. Certamente para cochilar.
A sessão começou. Havia no plenário cerca de 8 vereadores, todos eles engravatados. Parecidos com aqueles que vão a um casamento ou a um enterro, por obrigação, e colocam aquelas roupas desprogramadas e com as mangas enxovalhadas de suor.
Um vereador, para minha surpresa, mandou constar em ata minha presença. A coisa ficou meio sem graça. Foi preciso eu levantar e dizer meu nome. E foi constado em ata que eu estava lá.
Apesar de meus olhos tentarem cair no ostracismo do sono, eu me mantinha firme. Aquela noite, todos iam falar para mim e certamente quem era eu, ou se votava pelas redondezas.
Eu tinha mais é de ficar atento. Quem sabe se outro vereador não me chamava para alguma coisa? Só pra me agradar?
A sessão - como disse - começou -. encralavrada e titubeante na voz do Secretário. Ele tinha um montão de papéis sob a mesa à sua frente. E começou o blá-blá-blá. Votos de congratulações para fulano, voto de pêsames para sicrano.
E eram votos e mais votos que não acabava mais. Quem nascia ou morria ia sendo mencionado. Quem casava ou sofria alguma acidente, tinha seu nome mencionado naquelas infindáveis Indicações. O poder da democracia estava ali.
E isso durou mais de hora. Eu fatigado e já opressivo com tanta inutilidade. Mas fiquei sabendo, para minha cultura, que nasce mais gente do que morre.
Depois, outro montão de papeis.Todos timbrados e tenazmente batido à máquina,( computador nem pensar ), por secretários que tinham alto salário só para isso. Eram os pleiteadores de obras para cidade.
Devia haver umas cem folhas que foram lidas durante mais de outra hora. Era um tal de asfaltamento: onde era terra, de terra passar para calçamento, de calçamento para asfalto, de asfalto, para deixar como estava antes.
Sinalização em pontos perigosos na estrada, proibição para que crianças andassem de bicicletas nas calçadas da cidade. E uma terrível inutilidade que arranhava meus umbrais de minha paciência.
Eles trabalhavam do nada para o mais nada.
E para meu desespero havia mais. Pedido para construção de passarela numa rua que tinha apenas uns 10 metros de largura; pedido para ver as contas do prefeito...Ai a coisa esquentou. Falaram do prefeito e seus defensores logo se levantaram.
O pedido de informações atiçou um pouco o morno ambiente. A oposição formada apenas por quatro vereadores queria saber onde o sr. prefeito havia conseguido dinheiro para reformar sua casa e comprado uma casa de praia.
Os oposicionistas logo se levantaram.
Um deles falou: sr. presidente, pela ordem, peço a palavra, esta matéria é assaz ( meu corpo se desfez em pedaços gramaticais) contrária ao parágrafo número tal do Regimento Interno da Casa, pois ninguém pode se envolver com os assuntos pessoais do prefeito - sua vida particular.
Outro vereador falou: Sr. presidente peço a palavra. E foi dada. Sr. presidente, srs, vereadores, disse ele, a matéria está na Constituição pois o sr. prefeito, segundo denúncias de um jornal local, comprou a casa com o dinheiro público.
Protesto e peço a palavra, rumorejou outro vereador. Sr presidente, srs. vereadores, estamos ultrapassando os limites da loquacidade particular do sr. prefeito. Quem quiser denunciar, que denuncie com provas.
Peço a palavra - levantou outro vereador da posição. Sr. presidente, srs. vereadores, pelo que me cabe a dizer a casa em questão foi comprada com o dinheiro que o sr. prefeito ganhou de herança da mãe dele.
E ai bradou outro vereador: E esse prefeito tem mãe viva? Mentira, sr. Presidente a mãe do sr. prefeito já morreu, e eu posso provar e nunca houve essa história de herança, se todos nós formos amanhã no cemitério eu posso mostrar seu túmulo.
Ordem na Casa, disse o Presidente. Senhores falou ele, isso é apenas um requerimento que ainda vai para as Comissões para ser analisado e devidamente esquadrinhado.
Vamos deixar para discutir esse assunto na hora devida. E o outro falou imediatamente: peço a palavra sr. presidente. Com a palavra o vereador requisitante, disse o presidente.
O assunto não é bem esse. Na verdade o que eles querem é macular a figura do prefeito, dizendo que ele não tem mãe!
Peço a palavra sr. Presidente - conclamou outro vereador afoito: ninguém aqui disse que o prefeito não tem mãe. Foi dito , e consta da ata, que a mãe dele está morta, enquanto outros disseram que ela está viva.
Se está viva, como pode ter deixado uma herança? E surgiu outro: com a palavra sr. Presidente! Vamos constituir uma comissão de cinco vereadores e vamos amanhã mesmo ao cartório e ao cemitério constatar a verdade.
Não conheço a senhora-mãe do prefeito, nem sei se era uma senhora de posses, nem sei se ele tem ou não mãe, mas temos que deixar essa história clara!
Peço a palavra sr. presidente - retrucou outro vereador - estão ultrajando a figura da mãe do prefeito...
Peço a palavra. - disse outro. Pela ordem, disse o presidente.
Com a palavra o vereador que pediu a palavra. E porque vocês não telefonam agora pro prefeito e perguntam se ele tem mãe ? Se ela esta viva ou morta? - propôs um vereador.
E um outro falou: No intuito de preservar a verdade eu proponho que seja exumado o corpo da mãe do prefeito, se ela tiver morta ou nos tragam um atestado que ela esteja viva.
Ou senão fazemos o exame de DNA, viva ou morta.
Mas o prefeito não tem mãe! - bradou um vereador posicionista. Vocês querem fazer exame de DNA na mãe do prefeito, com ela ainda viva?
Eu proponho a exumação!- disse um, chegado a filme de terror.
E que o sr. prefeito nos traga o Imposto de Renda da mãe dele. Ai saberemos se ela está morta ou não, se tem posses ou não.
Não é necessário meter a Receita Federal nesta história. Primeiro, porque todos sabem porque e, segundo - com um tom voz enrustido - aqui já se fez tudo com a mãe do prefeito. Se ela tiver viva, tudo bem.
Mas se a mãe do prefeito estiver morta...
- Sr. presidente - peço a palavra, disse outro. Os oposicionistas, credo-cruz - estão dizendo que o sr. prefeito não tem mãe.
Peço a palavra sr. presidente, falou outro vereador - nós começamos a discutir aqui a abertura de uma rua e fomos parar na mãe do prefeito...isso não é justo...
Sr. presidente - acentuou outro - para o bem de Nossa Casa Democrática - não fica bem meter a mãe do prefeito nesta discussão.
E falou o Presidente, umas três vezes - silencio...silencio.. - Para que todos fiquem satisfeitos vamos constituir uma comissão para ir na casa do prefeito perguntar se ele tem mãe....
-Protesto, sr. presidente - o sr. acha que eu vou na casa do prefeito a esta hora da noite, perguntar se ele tem mãe?
Outro interveio com veemência : E se levarvamos este ao Supremo Tribunal Federal?
E, todos, quase ao mesmo tempo rebateram - sr. Presidente se este caso da mãe do prefeito for para o Supremo, seremos imediatamente todos presos.
E, todos uníssomos, falaram : Nada de STF aqui! Esta casa ainda é democrática. Outro vereeador disse - tem razão. Vamos esquecer este assunto. Todos queremos passar o Natal com nossas famílias !
- Peço a palavra sr. presidente, disse um vereador pingando de suor e, logicamente muito amigo do prefeito - agora estão chamando o prefeito de omisso ?
Protesto, sr. Presidente..- Enquanto isso o presidente da Casa toava uma nervosa campainha.
Era minha deixa. Sai de fininho e me dirigi ao bar mais perto e pedi uma pinga da terra - famosa por lá. Deliciosa ao extremo.
Foi ai que o dono do bar me perguntou, enquanto lustrava a mesa com um pano de mão todo sujo - o sr. estava na Câmara ?
Eu disse, meio desconfiado, disse: estava sim, vim de lá agora .
E o dono do bar me encarou e falou:
- O sr. sabe da última que corre na cidade ?
- Não...disse eu.
- O sr. sabe que enterraram a mãe do prefeito ainda viva?!
A Pólvora e o Fogo
Sobras de pó
se escondem
nos monturos que
fazem das lembranças
a ocasião sem vultos,
o momento sem olvidores,
e a dor como onipresença.
E quando a festa começa
servem-se o vinho,
armam-se os coldres,
os fantoches rodopiam
ao cinzel da lona.
O laço faz o botão
e guerreiros armênios
pousam suas carquilhas
na palha-de arroz.
Não há mais nada de nobre
em tentar reconciliar
a pólvora com o fogo;
ela, dizimada, afogou-se
em lembranças do ninguém;
e ele arredou-se para o doce
canto dos pássaros que já
não se fazem
altivos.
Pois a chaga faz o ardor e
rebuliça as asas feridas.
E se foi uma história de duas
Argolas.
Frutos de um tempo que machuca!
Faz-se uma comunhão de
dores e pesares,
dores e costados de feridas.
E ela parte pra seu lado,
sem colo,
e ele caminha
em direção de qualquer
parador.
Paciências de amor !
Agora, onde existe a sombra
guarda lá sua guarita.
Ela? Perdeu-se
ao vento, o mesmo
que acaricia os pessegais!
A Solda da Vez
Tudo como se fosse novo:
a palha, o rústico, a forma.
Tudo como se fosse de uma vez
só:
o breu, o cáustico, a solda.
Lampeja: você se envolve e
quando acorda
não percebe
a perca de seu vôo.
Você planeja sua vida em
ritmo de aluguel.
rende mais sal do que
o pleno açúcar.
Depois, não vá rastejar:
o chão é bruto,
não tem ângulo,
você é a forma
sem conteúdo!
Dá de lá, pega daqui.
Tudo numa rifa infernal,
onde as coisas do coração
ficam especiais:
lentas e sombreras.
Se você quer ser você
já não pode, porque o
vazio já tomou
seu lugar.
E se você é o anfitrião da dor,
menos mal.
A fruta não sola a terra,
o sol não vinga sua força,
a sombra reina soberana:
em sua última peça.
Tratava do sol e do nó,
arguto sistema de nós dois.
Quando você partiu
e nos deixou,sós.
Mas se a vida vale alguma coisa,
não vale sem uma flor.
Fica tudo vazio,
sem bordas,
chameado de
falsa sinceridade:
é troco enganado,
é voz engasgada,
é muro de pedra.
Assim, pra te alcançar outra
vez,
só mesmo da outra vez,
quando o mundo cansar
de dar voltas,
e parar de repente.
Ai será a volta
do reino canelado
na minha vida
já tão amargurada!
Homens de Antar
Era eu um símbolo que
fazia rodopios diante
da memória:
sem atrações,
sem bandas,
era um subúrbio de
solidão,
onde o feérico
eram as lágrimas
iluminadas por postes
enviezados.
Foi um tempo sem nome,
que ninguém alcança.
Foi uma época de renome
onde se perde até o
simples sonho de amar.
Foi um tempo assim,
lá atrás, onde dormem
os esquecidos.
Foi desta época que
guardo coisas
que nunca se vão:
o pão ardido da manhã,
as vielas apaziguadas de sereno,
as ruas vazias de mulheres,
as cores cinzentas
que remexiam as casas
num tom úmido e disperso.
Foi ali que me tornei
homem de quatro
espadas,
cavaleiro sem reino,
homem avulso,
sem amor,
devedor,
dono de causas perdidas.
Época que fui herói
de mim mesmo,
onde me perdi de tão só,
que só ganhava meia-hora
de vida
nos braços de quem passava,
se lá eu pagasse!
Fui nobre,
mas isso já não
é mais vantagem.
Sou parte da legião
dos desabrigados,
dos Homens de Antar.
e rezo, todos os dias,
pra vida e me levar,
sem pensar.
Ramos Tortos
São ramos
tortos
que enfeiam
a flor.
Minhas dores
são feitas de cor
azeda.
Coisa que ninguém
se atreve a provar.
E se provam do amargo,
doce deixo de ser.
E se passo,passo ao largo,
coisa de homem comum,
coroado de espinhos
do invisível.
Onde ninguém vê,
ninguém sabe!
Já fui pra não voltar,
já cheguei pra nunca sair.
Homem valente e amoroso
de duas portas!
Mas a porta bate duas
vezes,
cercada de som opaco;
se vai, sou eu,
se fica, fico sem ninguém,
com desdém e lágrimas.
Se parti,
foi um dia
sem cores.
No passado que não
tem nem mais nome.
Agora, me perdi no tempo,
já fui pro largo
dos desaparecidos
em plena vida !
E se é por pedir,
todo mundo pede:
volta, minha vida,
eu só sinto
dor!
E lá longe, me sinto
fraco e sem sentido,
pois
vivo com entreveros
dos que também
já se foram,
aventados por uma leve
brisa de amor,
cobertos por mantos
de eternidade
O Senhor das Portas
De sua tez amistar
rodeiam pontos de suor
e certas tonturas que não têm cerca.
Fui chamado à proa do nada para conhecer
a dona da morte: senhora bem-vista,
temerosa e amedrontada e tão
bela como arroz-doce.
Mas senhora, dona de todo
o Norte, sabia eu, lá aonde
faz a vida,
mas sabia onde semeia o lado
dos esquecidos.
Fui chamado a provar
minha vida e
certos amores.
Fui chamado a provar
de identidade e
provas vãs,
todo o poder
de uma jovem de duzentos
e duzentos e poucos anos,
dona de mim,
escrava do Senhor das Portas.
Fui enbojado de suor,
trêmulo de alegria
e augusto de pavor,
tentar com molho de vinagrete
colher os frutos da bela paisagem
e rever o que fui ontem -
dono de pedras -
e o que sou hoje -
dono de portas do tempo.
Rude Senhor das Portas,
que só nos deixa no cercado.
No árido, nas janelas sem emoção.
De duzentos em duzentos
e poucos anos estaremos
de volta - disse alguém
de angústia emproado.
O resto não importa mais.
A rua tangenceiada de povo,
faz a estátua.
Os prédios nos fazem
coisas minúsculas
mas dele somos donos.
O Senhor das Portas
só faz perguntas etéreas
e nos deixa sempre no cercado.
O Senhor das Portas
vigia meu amor
com gosto árido
e nos leva
pra lugar nenhum,
que é o lugar
onde mesmo vivos,
nos esquecemos.
E, no começo da dor,
o Senhor das Portas,
se abre,
e, em nenhuma delas,
não encontro meu amor,
que, de longe,
partiu pra sempre.
Das Neves no Fim da Montanha
Fraco,sobejo o vôo,
auguro a aurora
em partes de agonia,
onde não hajam sombras.
Minha caixa é de brinquedo,
minha voz é de criança,
meu pai é de longe,
minha mãe, vem da terra
batida, mas querida.
Venho de longe igual a uma
caixa mágica,
que me leva
ao fim do mundo,
onde o sol não nasce
mas flores dançam ao sol.
Este sou eu, Das Neves,
constante da natureza,
pedreiro de paredes,
e com cimento no coração.
Valia minha bruteza quando
era forte;
hoje, esquálido
e mal querido,
refaço meu coração de pedras
e calço a ansiedade e o medo
com tragos de solidão.
E nesta mesa de bar
vou morrer;
nesta mesa vou partir;
sem dar adeus.
Nem de quebra !
Todos se foram
e minha luz interior
se esvai, lasciva,
igual cesta de flores
sem um pétula.
Vou, então, prá onde?
Pro canto do mundo?
Ou pros escondidos
das frestas?
Se vou, parto,
Se fico, quebro.
Ah bela!
Se desfilo, vou sem passo.
E se amo, não mais
tenho de troco,
para felicidade dela !
A Agulha e a Palha
Além de meus passos
caminham milhares deles,
num soar medido e puro:
são os sozinhos de
esquinas pardas.
Mas, neste dia-a-dia de
ir e vir, jamais encontrei
- vá lá - sempre aspirei:
ver você no caminho
de volta onde repassam
rainhas ou de reis.
A vida é uma só:
e quem vai me provar, com doces,
que por trás da mortalha,
você ainda vive e
me e me espera?
O mundo deu uma de esperto:
escondeu você
entre a agulha e a palha.
Dessa não encontro,
dessa não tenho saídas,
nem de rezas que valha !
Pois nem depois da morte
tem recaída !
Garças de Ouro em Feltro de Prata
Após cinco voltas e meia em torno de meu
pórtico,
crianças chegaram
e a neve tomou a entrada
das casas.
Após cinco dias em torno de meu
corpo
homens e mulheres se misturavam
numa conversa barulhenta
e, sozinhos,
acolchoavam-se.
Após cinco horas em torno
do espírito que se foi,
lá carregavam mais e mais
espíritos comuns,
para a vala dos desmanados.
Aqueles que nunca viram
a tal Garça de Ouro !
Após cinco choros e diversas
lágrimas em torno
de meu corpo,
vi chegar o inverno,carregado
e impetuoso,e vieram outras
estações,
que mal sabia - discente -
qual era porta de entrada
ou as variáveis portas de saídas.
Após cinco dias - como apóstolo
selvagem, em torno de meu copo,
fui levado às pressas para os
homens de branco que
disseram:
-Que pena! - disse um.
Que dó - disse outro.
Passa pra outro - arrematou o terceiro.
E assim fui carregado em paz e com
dor.
Por uma, não levarem meu corpo
Por duas, deixaram meu copo.
-Tudo por tristeza dela.
-Alma avessa e trôpega que me colocou no poente,
Enquanto, agora, lá espargia as meias do seu mais amor
ao sol ardente e indiferente.
E no copo,
bebem agora,
só sonhos de
Garças de Ouro,
numa passarela
feito só pra ela,
moldada em Feltro de Prata.
Cinzas dos Beneditos
sou valente
e
forte,
miúdo
e
solene.
sou capaz,
mas indigente.
sou de amores
mas não
sou mais
das dores.
na rua falam
de longe:
lá vai ele,
o homem
sem parentes,
lá vai o
catalano.
lá vai o
sino sem
igreja.
lá vai
o homem
que deixou
passar a vida.
e, de mais
uma coisa
eu sei:
vida vai,
vida vem.
e chega
uma hora
que você
vira
bento,
vento,
lento.
vai virando
pó
dos exaustos,
pó
das esquinas,
dos falsos
e dos
impolutos
faustos!
Vira cinzas,
sem hora marcada,
e eu de vivo, fujo alado !
Nós Vivemos Agora
Amor grande
corre além
do tempo.
Amor grande
bate forte
feito oração.
Amor grande
não se sente
todo assim,
pois corre
sem hora marcada,
sem folhinha rabiscada.
Amor da gente
pende para os
anjos
lá na catedral
das orações,
por nosso amor.
Se sou livre,sou agora,
sou sempre
e confidente.
Águia de ouro,
bebedouro de aves.
Azaléas ao vento,
além de amigos,
pois agora,
somos botijas de amor
que nasce
e nunca perde o encanto
onde só o vento acalanta.
Você é o brando da flor,
eu sou o vento que te acalanta.
com voraz amor.
Às Vezes Está em Nos Indecisos
Às vezes
você me pede
que eu faço,
eu cumpro,
palavra de gente grande,
eu devo, mas faço,
mas, somente às vezes.
Às vezes puxo por
você em meus sonhos,
faço deles pirâmides
de fogos de amor.
Um fogaréu gigante,
tamanho do céu!
Às vezes sou comedido
e retrátil. Mas, às vezes
sou galante e uso o
portátil de suas mãos!
Mas não sou
igual a outros
que, às vezes,
se vestem para o baile
da vida e vão dançar
às vezes,
com a prima
da prima que
às vezes,é sobrinha
de seu amor.
Normalmente,só
às vezes rezo
esta canção sem tema.
Às vezes sou pano de remendar,
e, por isso, entro por uma porta
e saio por outra
porque às vezes a mulher
não vive tão só, tão só...
de um único amor!
Não sei,
às vezes,dizem
elas,
quem dançou o fado
também não é de aço!
Faz A Guerra Que Eu Faço o Trapo
Meus pés são de barro e nem por isto, homem de folia. Calço 50, homem de botas largas. E quantas eu disse e quantas a toquei,e as perdi. E falávamos apenas de coisas fagosas e desaparecidas, como o pó e o tempo.
Quem é de lá sabe de onde vim. Se morreu, morreu pra sempre. Envolta numa casca de noz - cansada de anos, toda picada de avestruz. De perto era uma festa de solidão. De longe boneca enfeitada de barro. Se morreu morreu pra sempre.
E morreu bem, não foi notícia pra ninguém. E quem disse que tudo são duas portas?
Se é doce é de mamão, se é cor é de fantasmas. Fogem pelo corrimão e enfrentam sonhos gentis. E se morreu, morreu calada e triste, mas morreu bem.
Época de Mary Quant - onde repousam tesouros. Calça larga nem pensar. Corridas aos botequins, padarias, empórios. Dia de batata doce. Nos engenhos, pés de barro, saias bordadas, bem fundo no pé. Beijos só em refugos. Nas abóbodas de luz. Santo não vêm em casa. Palha, buscapé, batata doce, pois amores de verdade só nos fundos do engenho.
Veste o véu na casa rota. Corre à terra com brilho vestal. Faz do homem, um parceiro e trás o calmo pra plantar. Veste o sol, escorre de neve o sal, mas volta pra casa pra plantar.
Bebe vinho junto ao barro. Faz as medidas do pai, pois sonho bom não vêm. Se divide em quatro partes e toma as medidas do pai.
E lá estão morrendo em dueto, o pega-pega, o bonde, o facho, o caubói das três. As estátuas fazem colo e a boa linhaça da juventude não abre mais portas.
Faz a roda que eu danço. Torto, mas danço, mas não me devorem com suas fomes. Do barro faço o pés, caço aprendizes da fome e ensino-os a beijar a terra. Faz a roda que eu danço, mas de mim não faz a fome.
Cem anos na sombra e ela nem perguntou meu nome. Queria um cordão de ouro, um cruxifixo de marfim e uma caixa de música. Como não tinha dono, tirei a foto, bebendo vinho num cetro de ouro. Mas na sombra fiquei - cem anos e vão lá e nem perguntam meu nome.
E quanto mais tempo passa, mais poço e fundo ele fica.
Uma coisa leva à outra. A mesa leva à toalha, mas o vértice ao quadrado. Bate três, sem coelho e sem cão. Chegam John e Scott e soltam pólvora. Adormecem no colo de Ava, Débora, Brigite e Ava. Ah! Pipocas trás o primo desdentado. Um sonho azul, meio belga. Robin e Marian de bruços catam uvas. Mae West , de branco se sufoca nos braços de Jack. Não é sonho .
E todos dizem : "avante John, duela", trás meu sonho de volta.
Sai do barro às seis em ponto, com oito músicos de cada lado,um mecânico, um pão, uma botelha de vinho. Ela, vestida de pano, me levou, sem graça, sem pagar.
Perto do seu abismo me serviu torta de leite e mingau de trigo e mandioca.
Mas no brejo, descalso, fiz ela rainha de todos os sermões e dona de todos os pecados. Se sobrou, foi em vão.
E estas lembranças do tempo de barro, de calças curtas já estão na soleira da porta. Pedem para entrar. São rascunhos de memória curta.
E ela na cadeira de cedro, vestida de rosa me pediu pra sair. E da porta, passa a carrocinha e leva tudo. Ninguém mais entra, ninguém mais sai.
De mim só restam lembranças de pés de barro. Ninguém mais entra, ninguém mais sai.
Mas não se esqueça - o mundo está em guerra a
perto de milhares de anos. Então faça sua parte. Leva a pólvora que eu levo a arma. Leva o trapo, que eu levo a bucha. Fica com o jardim, que eu fico com a rosa.
(Poesias dedicadas à Ticiana )