Normalmente e Quase Sempre
Às vezes
você me pede
que eu faço,
eu cumpro,
palavra de gente grande,
eu devo, mas faço,
mas,somente às vezes.
Às vezes puxo por
você em meus sonhos,
faço deles pirâmides
de fogos de amor.
Um fogaréu gigante,
tamanho do céu!
Às vezes sou comedido
e retrátil. Mas, às vezes
sou galante e uso o
o calor portátil de suas mãos!
Mas não sou
igual a outros
que, às vezes,
se vestem para o baile
da vida e vão dançar
às vezes,
com a prima
da prima que
às vezes,é sobrinha
de seu amor.
Normalmente,só
às vezes, me faço augusto
com o amor de mãos-dadas.
Às vezes sou pano de remendar,
e, por isso, entro por uma porta
e saio por outra,
porque às vezes, a mulher
de várias vezes,
se torna um único e grande vazio!
Não sei,
às vezes,dizem
elas,
quem comeu o fruto
por favor
ou desfavor,
ou bêbado de dar dó,
vira rotina sem cor.
( Poesia dedicada à Ticiana )
Valsa de Amor
Tão difícil como decidir,
tão ferido como
não achar:
tão perfeito em perder
tão lascivo ao arder!
Se tem nome é amor,
se tem vez é
consequência,
se tem voz,
tem febre,
conceitos não faltam,
tudo pra dizer:
vou partir,
vou partir em breve,
vou deixar a pêssega e as
aladas!
Se pombos arrulhavam
no porto, era a saída,
e o vôo do desespero; era capricho
e valentia,
tudo isso para deixar
o que sequer nem começou.
Se há o porto,
há o calafrio, depois a febre e o
delírio que cobre de farpas
o coração magoado.
Se partiu, deixa pra lá,
foi tocando oito semi-breves
aquela canção
dos desamores.
Se partiu, deixa pra lá,
um dia, acho um pedaço
de sua lembrança
em meu coração.
Hoje uma amora-da-mata,
amanhã, acho,
um toque diferente
nas coisas que dizem ser
de amor.
Se perdi, fui pra lá.
Onde o mar esconde as ondas,
mas não esconde a vontade de amar !
Se ganhei foi uma valsa cor de azul,
onde os corpos balançavam,
e onde, todo dia,
o valsar terminava no feltro .
(Poesia dedicada à Ticiana )
Brando Violão
Eu posso ter tudo julgando que tenho tudo
que quero. Se eu acho que possuo tudo, então
tenho as coisas que quero.
Se eu perco no caminho algo de precioso.Apenas disfarço e sigo em frente.
Magoado e triste. Mas vou de cabeça
erguida. Mas fervente!
Tenho o que posso.
O que não posso julgo que tenho.
Além das Portas Sombreadas
vive o outro eu.
Cáustico, enigmático, diápaso,
conivente com o humano e com as
bordas dos corpos que me
outorgam algum calor.
Se meu tempo já passou.
Ele passou. Esquece.
Não torture os olhos com
lágrimas.
Viva cada dia,esperando a noite
e dentro da noite se pronte
para esperar seu novo raiar.
Ilusões à parte, não sou feliz
assim. Mas me acomodo assim.
E tenho o que posso
e as que não posso,
finjo de barbatanas
bem afiadas, que além
de uma montanha, existe
outra. E assim fica elas
por elas.
Mas, pensando bem...
não sou tão feliz assim.
Mas um dia serei o
toque de pele e mãos, que
me abranda um violão.
E Lá Sou Eu ?
e lá pareço
como sou,
e lá sou o que
pensam o que não sou?
e lá ligo pra os que
se abotam de glórias ?
e voltam imersos
na solidão a cada
meia hora ?
pelos lábios
que nos cercam !
não sou o que sou,
não sou jardim de cheirar,
ou sol de rolar cor,
não sou pão de natal
nem champanha de beber.
mas, afinal quem sou?
e eu sei ?
é até castigo !
parem de me chamar
toda hora,
ou hora e meia, de
melro que não encanta,
porque vivo
em seu corpo,
e viro seda entrelaçada, que usa
até de laços,
pra perceber
seu cheiro de
vestido !
Vou reclamando da vida
reclamando da ida
me perdendo na louca
aventura da solidão
de dois juntos e
um separado
no do ré mi do amor !
Colisão de Ausências
Sou parte da nesga,
que constrói o desespero,
o início e o fim
das coisas perenes.
Formo a angústia da espera.
Torno o tempo escasso
e volátil.
Sou pária em seus braços e
colisão da ausência.
Sou texto familiar,
moinho espanhol,
palha dos mendigos.
Meu caminho é pedrado de
dúvidas, é
rota de colisão
com a ânsia e a solidão.
Sou administrador de
saudades.
Sou senhor de
todas as abadessas,
donas do prazer
enigmático.
Sou plantonista dos
sem fins,
dos sem causa,
e sem sombra.
Moro à bessa,
a beira de um rio,
onde falha a segurança,
e brinco de vida e morte
com os fantamas dela.
Um caso especial
onde a rosa é sempre
desculpa para o roçar!
Meu sol não acende
mais minha vida, mas faz da lua
quadro querido,
e estático,
que sempre inspira coisas
de amor,
e atiça o pó
dos tropeiros da guerra.
Agora, em minha vida é
hora para caminhar entre
arranhos e
desesperos,
e nadar no vazio
das almas ocasionais.
À você fica o abraço querido:
quando da próxima vez a nos ver,
trás um pouco de amor,
e um formidável abraço
de acalanto e
um beijo para as
lembranças dos feridos.
molha chuva,
molha nós dois,
e nos faz ruídos
do curvo amor.
Ameixas de Julho
A vida é uma só,
dizem até que há duas:
não conheço nenhuma
delas,
nem do início
nem do fim.
Fiz um protótipo de
minha solidão,
com arcos iluminados
e vazios deslumbrantes.
Não sou chegado
de vazios,
mas peco pela indecisão
de nunca ter o que
está em minhas mãos;
de possuir sufrágios
e deles não fazer votos.
Da vida o que bem
conheço
são lembranças
merecidas,
em vôos por terras bravas
onde cotoviam aves,
espargidas de cores
divinas: é seu espelho !
Então, passo rápido,
ninguém percebe nem a sombra;
mas quando sussuro seu nome
junto aos pássaros sem rebeldia,
eles cantarolam belezas
e mostram que dúvida
não há:
ou você vem coroada de rainha
e embeleza meu trapo corpo
com sua graça amena e depois
conta:
meu querido, sou sua paz e luz!
(Poesia Dedicada à Ticiana)
Pelo Sim, Pelo Não
pelos dias,
um dia,
dia sim, dia não,
chamei meu pai de
pedra
e minha mãe de flor de lis.
um dia chamei meu mestre de dono
e meu oeste de decepção,
meu norte de esperança,
já que lá no sul,
debruava
choros de mulheres,
vestidas de camaleão,
me afastei do devido calor.
um dia chamei
meu amor de vida
e minha morte de vazio,
chamei o rei de basco
e a rainha, sem rumo,
de vassalina.
e pela vida fui chamando
até, que de algum lugar,
onde se fala amando,
me mandaram me chamar.
então, minha amante
chamou o meu mundo de dor,
enquanto, minha amada,
chorava feito
rosas sem dono.
enfim,
fui de mansinho,
de ca pra lá,
dois dias andando
de fininho.
sem lugar pra atracar,
sem fado pra cantar,
rosas sem pensar.
pois naquele momento
da vida eu era apenas
um doce navio,
com resmas
de saudade,
bem pronto
pra afundar.
O Menino Que Ganhou um Riacho
Fraco, sobejo o vôo,
auguro a aurora
em partes de agonia,
onde não brotam águas.
Minha caixa é de brinquedo,
minha voz é de criança,
meu pai é de longe,
minha mãe, vem da terra
batida, mas querida.
Venho de longe igual a uma
caixa mágica,
que me leva
ao fim do mundo,
onde o sol não nasce
mas flores dançam ao sol.
Este sou eu, dos riachos,
constante da natureza,
com água pedreiro de paredes,
e com musgos de
flores no coração.
Valia minha bruteza quando
era forte;
hoje, esquálido
e esquecido,
refaço meu coração de pedras
e calço a ansiedade e o medo
com tragos de solidão.
E neste riacho
vou morrer;
neste riacho vou partir;
sem dar adeus.
O riacho tem vida
Que abranda
A minha !
Todos se foram
e minha luz interior
se esvai, lasciva mas
perene.
Vou, então, pra onde?
Pro canto do mundo?
Ou pros escondidos
das águas?
Se vou, choro,
Se fico, sou porta
de cachoeiras
incansáveis.
Ah bela!
Se desfilo,
vou sem passo.
E se amo, caminho
pelo riacho de criança,
cujas águas eternas
alisam meus pés
e ainda me protegem
dos revés que
me aportam !
Hoje vivo nele,
abrando folhas
esparsas que nele
nadam.
Somos dois
amigos.
Somos a procura
da vida.
Ou já somos
achados
da vida.
O Passado é um Lugar Perigoso
se pudesse eu
do alto de meu vazio,
por um instante só
resfolegar
minha ansiedade
em seu colo,
deveria
agradecer aos
dispostos.
se pudesse eu,
por uma vez que seja,
soletrar meus lábios
nos seus,
aceitaria o gesto
de plena piedade
e derradeiro
meio enlace.
onde fico?
na esquina dos
desaparecidos.
onde criança faz a
festa
e os homens plantam
centeios de vazios.
Medito...
medito, por instantes,
pois sou apenas um centavo
de alegorias
dos sozinhos...
então,
Se eu pudesse,
se eu pudesse,
ser...
uma vez,
uma vez somente,
ser
lírios de seu corpo,
luz de seus olhos,
me bastaria a vida
e não se repetiria
minha morte!
pois no passado
não vou mais,
pois duendes de lá,
me disseram, sem pompa,
é um lugar perigoso !
Saudades do Que Foi
Mal que passo,
mal que redobro,
mal de amor,
que me dobra.
Mal que vivo
dia sim, dia não,
da glória revivo:
de mãos dadas!
dúzias de vezes !
De pura saudade
do meu era
criança de chorar !
Espelho de 2 Faces
Sem medir as coisas
do tempo,
fui em busca do
espelho
de duas faces.
Outrora viveu por lá, sem hora,
mas de passados, só sombras
sem auroras!
Rodo que rodo,
pejo à indiscrição,
rodo feito saia,
mas dela só guardo
raras aparições.
Sumiu.Sumiu de vez.
Rubor meu!
Tá morando na zona desconhecida,
onde todo mundo faz parecido!
Dizem que ela nasceu
em lugar nenhum;
nenhum, porque era
do mato,
e de lá não se via
rumor da cidade.
Pobre menina de desdém!
Era um ponto no espaço
que correspondia a um astro!
Sai atrás dela,
como bonde perdido,
de chapéu roceiro,
mas vazio, bem oco,
escavado de esperanças
e vizeiras de outrora!
Um dia, me contaram
dela:
tinha partido de desdém
pro fim de seu mundo.
Nunca mais ouvi dela
falar;
raro momento de lucidez
me tomou -
afinal encontrei o tal
espelho de duas faces
que, agora,
só me escorria
meus contornos escuros
e saudades coturnas.
Ela quebrou a magia do tempo
e, com isso, virou sombra,
feito ardido vento,
e me deixou sozinho, sem
qualquer honra!
Do espelho escorrido
sobraram pedaços mágicos de vidro,
e um pano esvergado de saudades, onde ela morava.
Faz a Hora, Que eu Faço o Dengo
Mas nem por isso,
nem pelo vestal,
ou pela vaga reza
nem por um minuto sequer,
deixei de chamar
pelo nome dela.
Nem por um minuto.
Deixei de querer
aquela mulher de
apenas um quarto
e doze vidas de amor.
Mas lá pelas tantas,
dessas que ocorrem sem
querer,
soube eu,com ardor,
fardado de bom, e risonho,
que ela tinha de me deixar,
enquanto, no fundo,
tocavam a marcha dos falidos.
Triste sina,
desta vida dura de
entender
e que pouco ensina!
Não sou de ferro,
nem de pérolas,
sou o que pareço ser: um erro
Sou metade de tudo
pura fantasia,
sou a hora dos poucos!
E naquela tarde
fiquei entre o branco e o nada.
que se misturam numa dor do vazio.
Pensava: que mundo é esse,
que perco até no laço?
Mas nem por isso vou deixar
de carregá-la em meus braços.
Não aqui, mas num
lugar bem perto,
perto do céu,
onde não nem se tira fatura
pra mulher escorregadia.
Bem longe, perto do céu,
onde estão os calados,
que elevam seu espírito
e se confortam com o beijo
da mulher amada!
E nisso tudo, perdi,
a ida, a volta, o regresso
e de malas vazias,
enquanto tocavam o realejo.
Pavilhão do Vazio
Sinto que sinto,
que nada me passa,
que sou alcance,
pedras de triturar,
comodatos dos fiéis
cavaleiros sem reino.
Se vem da terra,
boia na água,
encharca os vinhedos,
sem voltas, de passadas
e goles rápidos,
cheio de repentinos.
Sinto o que falta
para começar a
acabar.
Sinto que falta,
o início do falso,
que começa a chegar.
Sinto o que passa:
na terra dos caracóis.
Se ela passa
vou untado de mel!
na terra só minha,
onde rodopiam girassóis!
Não importa seu caminho:
deve ser curto,
cheio de pavio, premente
para lançar chamas
no vale do amor
sem sol.
Se vai, não vou atrás,
se nada faço,
então sei que
acabo de entrar
no pavilhão
dos sozinhos.
(Poesia dedicada à Ticiana )
Tempo de Ontem
Vivo simples,
trôpego e audaz, mas
carregando mazelas e
raras esperanças.
Vivo, assim, de corrente
atada às mãos e um mago
coração à espera.
Vivo asimples,
sem correria,
sem correr trilhos,
sem esperar sinais
que estocam sempre
no vermelho.
Sou de paz e esperança,
sou dengo de três vozes,
mas não sei ganhar,
sou bandeira, mas
pátria não tenho.
Tenho macieiras, destas
de comer, mas não quero voltar
no tempo, e nunca mais correr
atrás de frutos que já tem dono.
Porque logo atrás, depressa vem,
meu passado que perdi,
meu futuro que despedi,
meu presente feito de
cimento de construir,
e a imagem dela
pronta pra me servir
de pontas de luz
que jorram de seus olhos
com almejos de amor.
Tudo isso porque
não posso viver sem ela.
No fim, só espero o tempo
passar e, por milagre,
renascer no colo dela.
(Poesias dedicadas à Ticiana )
Passado de Três Dores
Quero ser tão
pequeno como pequeno
é o grão.
Quero ser um senão
em sua vida
igual a um figo,
e conquistá-la
como se ganha
o trigo.
Se me perco em seu
corpo
é porque
não sei sobreviver sem
ele.
Sou apenas amor
dos tortos.
De raspão você passa
olha, e de vesgo
diz :
valentia, meu amor,
de mim nada mais terá,
viverá a minha sombra
como os pinherais
límpidos fazem
sombra à ave de cor.
E assim, sigo meu
caminho
de três trevas:
uma vela de dor,
uma escada de
verniz e uma rosa cansada.
majestosos,
mas que não levam a lugar
nenhum do nosso
triste passado.
Passado de Três Vezes,
que não consegue morrer.
(Poesia dedicada à Ticiana )
Dia Afora
Fui dia afora,
corrido em três berços,
fui oração de mãe
e orgulho de pai.
Corri berços e colos,
corri mundo,
por mãos desconhecidas
que me diziam coisas
que não entendia,
coisas de amor
e corrimões de ódio.
Fui dia afora,
fui abraçado por
luz benta e azulada,
experiências de
eremitas de amor,
frescor de muitas mulheres,
e dengoso boneco de choro !
Fui sempre alentado
por cobertores de abraços
de mel e beijos dourados !
Mas, já de idade amendoada
por tristezas e alegrias,
descobri
que a vida de amar
é feita de cores
mas também,
é palha seca de queimar !
(Poesia dedicada à Ticiana )
Pedras de Triturar
Se vai, vou atrás.
Não me importo
com abreviaturas da vida,
se ela passa, passamos nós,
se o pêndulo da meia-noite
marca as horas do medo,
afago as mãos dela,
e peço, meio cáustico
e redentor,
não me deixe sozinho
neste jugo de solidão.
Se foi, partiu devagar.
Se chegou, veio com pressa,
se me mandou cantar,
afogo minha voz
na ária dos mudos.
Se está certo
o certo vai provar.
Se errado caminhou
o cervo vai acordar.
Se sou dois caminhos
numa trilha apagada,
sou voz trêmula, também
pra gritar:
Me procura, nos
caminhos curtos,
de vento azeitados.
É lá que fico,
por horas,
por esmero,
à espera da saia longa,
brocada de suaves e
lânguidos amores.
É lá que espero.
É lá que mora
meu desespero!
( Poesia dedicada à Ticiana )
Pedras Sem Tempo
Ordeno meus pensamentos,
onde toca a dança,
faço uma pedra
bem afeiçoada,
pedra bem ao gosto,
amarrotada pelo tempo,
esquecida no embrulho
da montanha.
Pedra que me faz pedra,
gente que me atiça adiante,
com fagulhas de ardósia,
criam uma moldura azul-afogueada,
e fazem
passos de um só homem
de uma vontade sem levantes.
Na vida,tudo amarroada!
Procuro lembranças dela
no pôr-do-sol,
onde desfila na vitrine
das despedidas.
Mas, se hoje sou eu que me perco
de saudade e sem vida,
a procura da moldura dela,
amanhã será você,
a procurar a verdade de tudo.
Mais virá tarde:
virá pedra sob pedra,
na ardósia da vida,
onde nada restou, senão pó,
de nosso grande amor gratinado
de só de adeus - sem Deus -
disso só viveu!
(Poesia dedicada à Ticiana )
A Mãe do Prefeito
Assisti, por curiosidade e como cidadão apaziguado, a uma pertinaz sessão plenária, na Câmara de Vereadores de uma cidadezinha qualquer deste interior do Brasil.
Não foi por querer, sou capaz de jurar. É que, tendo a profissão de viajante, percorro quase todas as cidades do nosso Brasil e sempre tem um programa erotizado para se fazer: conhecer vizinhas avulsas, maravilhosas e solitárias.
Mas vamos lá. Naquela noite, perdido no centro do Brasil, não encontrei vizinhas em liberdade. Parece que todas as mulheres resolveram se esconder em casa.
Tentei de tudo, mas parece que eros estava ausente. Andando pelas ruas, sempre mal-iluminadas e cheirando a flores, aí, fiz o melhor que pude : fui na numa sessão da Câmara Municipal - destas milhares que existem no Brasil. Um prédio luxuoso que contrastava com a cidade, com o poder aquisitivo do povo. talvez aquela iluminação feérica tenha me atraido para seu interior.
Sentei sozinho. Não havia viva alma num plenário que mais parecia uma capela mortuária. Havia uma fileira de 12 cadeiras por 8 fileiras. E eu sentei sozinho no plenário.
Ao sentar numa dela, tudo rangeu e os olhares dos senhores vereadores bateram em cheio em minha pessoa. Rude em política e alheio às coisas pública que estava ali ou para ver a sessão ou tirar uma soneca, depois de tomar alguns aguardente. Certamente para cochilar.
A sessão começou. Havia no plenário cerca de 8 vereadores, todos eles engravatados. Parecidos com aqueles que vão a um casamento ou a um enterro, por obrigação, e colocam aquelas roupas desprogramadas e com as mangas enxovalhadas de suor.
Um vereador, para minha surpresa, mandou constar em ata minha presença. A coisa ficou meio sem graça. Foi preciso eu levantar e dizer meu nome. E foi constado em ata que eu estava lá.
Apesar de meus olhos tentarem cair no ostracismo do sono, eu me mantinha firme. Aquela noite, todos iam falar para mim e certamente quem era eu, ou se votava pelas redondezas. Eu tinha mais é de ficar atento. Quem sabe se outro vereador não me chamava para alguma coisa? Só pra me agradar?
A sessão - como disse - começou -. encralavrada e titubeante na voz do Secretário. Ele tinha um montão de papéis sob a mesa à sua frente. E começou o blá-blá-blá. Votos de congratulações para fulano, voto de pêsames para sicrano.
E eram votos e mais votos que não acabava mais. Quem nascia ou morria ia sendo mencionado. Quem casava ou sofria alguma acidente, tinha seu nome mencionado naquelas infindáveis Indicações. O poder da democracia estava ali
E isso durou mais de hora. Eu fatigado e já opressivo com tanta inutilidade. Mas fiquei sabendo, para minha cultura, que nasce mais gente do que morre.
Depois, outro montão de papeis.Todos timbrados e tenazmente batido à máquina,( computador nem pensar ), por secretários que tinham alto salário só para isso. Eram os pleiteadores de obras para cidade.
Devia haver umas cem folhas que foram lidas durante mais de outra hora. Era um tal de asfaltamento: onde era terra, de terra passar para calçamento, de calçamento para asfalto, de asfalto, para deixar como estava antes.
Sinalização em pontos perigosos na estrada, proibição para que crianças andassem de bicicletas nas calçadas da cidade. E uma terrível inutilidade que arranhava meus umbrais de minha paciência.
Eles trabalhavam do nada para o mais nada.
E para meu desespero havia mais. Pedido para construção de passarela numa rua que tinha apenas uns 10 metros de largura; pedido para ver as contas do prefeito...Ai a coisa esquentou. Falaram do prefeito e seus defensores logo se levantaram.
O pedido de informações atiçou um pouco o morno ambiente. A oposição formada apenas por quatro vereadores queria saber onde o sr. prefeito havia conseguido dinheiro para reformar sua casa e comprado uma casa de praia.
Os oposicionistas logo se levantaram. Um deles falou: sr. presidente, pela ordem, peço a palavra, esta matéria é assaz ( meu corpo se desfez em pedaços gramaticais) contrária ao parágrafo número tal do Regimento Interno da Casa, pois ninguém pode se envolver com os assuntos pessoais do prefeito - sua vida particular.
Outro vereador falou: Sr. presidente peço a palavra. E foi dada. Sr. presidente, srs, vereadores, disse ele, a matéria está na Constituição pois o sr. prefeito, segundo denúncias de um jornal local, comprou a casa com o dinheiro público.
Protesto e peço a palavra, rumorejou outro vereador. Sr presidente, srs. vereadores, estamos ultrapassando os limites da loquacidade particular do sr. prefeito. Quem quiser denunciar, que denuncie com provas.
Peço a palavra - levantou outro vereador da posição. Sr. presidente, srs. vereadores, pelo que me cabe a dizer a casa em questão foi comprada com o dinheiro que o sr. prefeito ganhou de herança da mãe dele.
E ai bradou outro vereador: E esse prefeito tem mãe viva? Mentira, sr. Presidente a mãe do sr. prefeito já morreu, e eu posso provar e nunca houve essa história de herança, se todos nós formos amanhã no cemitério eu posso mostrar seu túmulo.
Ordem na Casa, disse o Presidente. Senhores falou ele, isso é apenas um requerimento que ainda vai para as Comissões para ser analisado e devidamente esquadrinhado.
Vamos deixar para discutir esse assunto na hora devida. E o outro falou imediatamente: peço a palavra sr. presidente. Com a palavra o vereador requisitante, disse o presidente.
O assunto não é bem esse. Na verdade o que eles querem é macular a figura do prefeito, dizendo que ele não tem mãe!
Peço a palavra sr. Presidente - conclamou outro vereador afoito: ninguém aqui disse que o prefeito não tem mãe. Foi dito , e consta da ata, que a mãe dele está morta, enquanto outros disseram que ela está viva.
Se está viva, como pode ter deixado uma herança? E surgiu outro: com a palavra sr. Presidente! Vamos constituir uma comissão de cinco vereadores e vamos amanhã mesmo ao cartório e ao cemitério constatar a verdade.
Não conheço a senhora-mãe do prefeito, nem sei se era uma senhora de posses, nem sei se ele tem ou não mãe, mas temos que deixar essa história clara!
Peço a palavra sr. presidente - retrucou outro vereador - estão ultrajando a figura da mãe do prefeito...
Peço a palavra. - disse outro. Pela ordem, disse o presidente. Com a palavra o vereador que pediu a palavra. E porque vocês não telefonam agora pro prefeito e perguntam se ele tem mãe ? Se ela esta viva ou morta? - propôs um vereador.
E um outro falou: No intuito de preservar a verdade eu proponho que seja exumado o corpo da mãe do prefeito, se ela tiver morta ou nos tragam um atestado que ela esteja viva. Ou senão fazemos o exame de DNA, viva ou morta.
Mas o prefeito não tem mãe! - bradou um vereador posicionista. Vocês querem fazer exame de DNA na mãe do prefeito, com ela ainda viva?
Eu proponho a exumação!- disse um, chegado a filme de terror.
E que o sr. prefeito nos traga o Imposto de Renda da mãe dele. Ai saberemos se ela está morta ou não, se tem posses ou não.
Não é necessário meter a Receita Federal nesta história. Primeiro, porque todos sabem porque e, segundo - com um tom voz enrustido - aqui já se fez tudo com a mãe do prefeito. Se ela tiver viva, tudo bem.
Mas se a mãe do prefeito estiver morta...
- Sr. presidente - peço a palavra, disse outro. Os oposicionistas, credo-cruz - estão dizendo que o sr. prefeito não tem mãe.
Peço a palavra sr. presidente, falou outro vereador - nós começamos a discutir aqui a abertura de uma rua e fomos parar na mãe do prefeito...isso não é justo...
Sr. presidente - acentuou outro - para o bem de Nossa Casa Democrática - não fica bem meter a mãe do prefeito nesta discussão.
E falou o Presidente, umas três vezes - silencio...silencio.. - Para que todos fiquem satisfeitos vamos constituir uma comissão para ir na casa do prefeito perguntar se ele tem mãe....
- Protesto, sr. presidente - o sr. acha que eu vou na casa do prefeito a esta hora da noite, perguntar se ele tem mãe ?
- Peço a palavra sr. presidente, disse um vereador pingando de suor e, logicamente muito amigo do prefeito - agora estão chamando o prefeito de assassino....
Protesto, sr. Presidente..- Enquanto isso o presidente da Casa toava uma nervosa campainha.
Era minha deixa. Sai de fininho e me dirigi ao bar mais perto e pedi uma pinga da terra - famosa por lá. Deliciosa ao extremo.
Foi ai que o dono do bar me perguntou, enquanto lustrava a mesa com um pano de mão todo sujo - o sr. estava na Câmara ?
Eu disse, meio desconfiado, disse: estava sim, vim de lá agora .
E o dono do bar me encarou e falou:
- O sr. sabe da última que corre na cidade ?
- Não...disse eu.
- O sr. sabe que enterraram a mãe do prefeito ainda viva?!
( Texto dedicado à Ticiana )
Amor Não Tem Matemática
Sonolentas as manhãs,
se desdobram em luzes,
e se abrem os pássaros
ao sol; rebatem-se ao
vento que tem a medida
certa de cada vôo.
Se ela soubesse o que eu sei
esta manhã,
Se ela ela imaginasse ao certo
esta manhã,
estaríamos juntos na amplitude
do espetáculo matinal,
à espera de que nos nutrissem
de ânsias e desejos.
Mas de longe, sentado,
ao largo de um banco úmido
de orvalho,batido pela madrugada
sabemos que perdemos o que
nunca tivemos,
e deixamos de ser
aquilo que sempre éramos:
música de sonho,
flauta mágica que nascia
quando o verbo da
carne falava
através dos desejos úmidos;
das testas empoadas de suor.
Assim foi uma única
vez:
o que vinha numa direção
rebateu-se noutra,
e a paz que era duradoura
virou pacto de guerra.
Hoje, sabemos nós,
estamos
perdidos em dois
espaços, onde, soslaio,
não há mais tempo.
Nem para ir nem para voltar.
Duendes mágicos trataram de nos
fazer coisa passageira, cobertas
com dobradiças de ouro e almejadas
de beijos e abraços que, nunca,
nunca, chegaram por aqui,
na minha velha choupana:
antro apaziguado
dos desejos e da solidão,
que se mede ao vento
e bate afônica até às lágrimas.
E faz soslaio de luz numa
cabana que nunca existiu,
neste amor cheio de
raiz quadrado.
(Poesia dedicada à Ticiana)
Não Perca pela Hora
Preciso intensamente
das horas;
elas me impulsionam,
me faz grato
e sobretudo sagaz,
pois sem ela, não vivo.
É hora prá cá, é hora
pra lá. Toda hora é minha
hora.
E são tantas que
não sei o que fazer
com o emaranhado de minutos
e segundos que me atordoam.
Mas as horas me perseguem -
como um estinlingue atiça um
pássaro .
Se me guardo, não sei quantas horas
são. Não sei como medi-las.
Por serem inconstantes, uma hora
é assim, outra hora é diferente.
Mas sei que elas me perseguem:
não sou corredor de pista
veloz, nem autódromo
de crianças,
nem cronômetro de espartilhos,
nem vela que acalenta o morto.
Por isso as horas são
para mim,
ao mesmo
tempo, texanas e, outras,
vindas do Cabo das Tomentas.
E se me perguntarem as horas
já não vou saber:
meu relógio só marca profundidades -
e posso naufragar até 50 metros!
Bem, as horas estão passando
pro lado de cá.
E lá, uma coisa
me ensinaram:
pra amar não tem hora:
é só chegar bem na hora!
Mas isso é outro assunto
pra outra hora!
Mas é hora de ir.
Senão for, me perco nos
minutos
e me tonteio com os segundos.
Fiquei tonteado no tempo,
esperei por ela
um monte de horas,
e tudo virou segundos,
e no final, minha hora
foi parando.
Perdi meu amor
por causa do tempo
que deu justa causa
a um intrometido,
outro dengo,
cheio de outras horas,
que ela achou.
(Poesia dedicada à Ticiana )