Normalmente e Quase Sempre

 

 

Às vezes
você me pede
que eu faço,
eu cumpro,
palavra de gente grande,
eu devo, mas faço,
mas,somente às vezes.

 

Às vezes puxo por
você em meus sonhos,
faço deles pirâmides
de fogos de amor.

 

Um fogaréu gigante,
tamanho do céu!

 

Às vezes sou comedido 
e retrátil. Mas, às vezes
sou galante e uso o
o calor portátil de suas mãos!

 

Mas não sou
igual a outros
que, às vezes,
se vestem para o baile
da vida e vão dançar
às vezes,
com a prima
da prima que
às vezes,é sobrinha
de seu amor.

 

Normalmente,só
às vezes, me faço augusto
com o amor de mãos-dadas.

 

Às vezes sou pano de remendar,
e, por isso, entro por uma porta
e saio por outra,
porque às vezes, a mulher
de várias vezes,
se torna um único e grande vazio!

 

Não sei,
às vezes,dizem
elas,
quem comeu o fruto
por favor
ou desfavor,
ou bêbado de dar dó,
vira rotina sem cor.

 

( Poesia dedicada à Ticiana )
































Valsa de Amor

 

 

Tão difícil como decidir,
tão ferido como
não achar:
tão perfeito em perder
tão lascivo ao arder!

Se tem nome é amor,
se tem vez é
consequência,
se tem voz,
tem febre,
conceitos não faltam,
tudo pra dizer:
vou partir,
vou partir em breve,
vou deixar a pêssega e as
aladas!

Se pombos arrulhavam
no porto, era a saída,
e o vôo do desespero; era capricho
e valentia,
tudo isso para deixar
o que sequer nem começou.

Se há o porto,
há o calafrio, depois a febre e o
delírio que cobre de farpas
o coração magoado.

Se partiu, deixa pra lá,
foi tocando oito semi-breves 
aquela canção
dos desamores.

Se partiu, deixa pra lá,
um dia, acho um pedaço
de sua lembrança
em meu coração.


Hoje uma amora-da-mata,
amanhã, acho,
um toque diferente
nas coisas que dizem ser
de amor.

Se perdi, fui pra lá.
Onde o mar esconde as ondas,
mas não esconde a vontade de amar !

 

Se ganhei foi uma valsa cor de azul,

onde os corpos balançavam,

e onde, todo dia,

o valsar terminava no feltro .

 

 

 

(Poesia dedicada à Ticiana )

 




















Brando Violão

 

 

 

 

 

Eu posso ter tudo julgando que tenho tudo
que quero. Se eu acho que possuo tudo, então
tenho as coisas que quero.

 

Se eu perco no caminho algo de precioso.Apenas disfarço e sigo em frente.

Magoado e triste. Mas vou de cabeça
erguida. Mas fervente!

 

Tenho o que posso.
O que não posso julgo que tenho.

 

Além das Portas Sombreadas
vive o outro eu.


Cáustico, enigmático, diápaso,
conivente com o humano e com as
bordas dos corpos que me
outorgam algum calor.

 

Se meu tempo já passou.
Ele passou. Esquece.

Não torture os olhos com
lágrimas.


Viva cada dia,esperando a noite
e dentro da noite se pronte
para esperar seu novo raiar.

Ilusões à parte, não sou feliz
assim. Mas me acomodo assim.

 

E tenho o que posso
e as que não posso,
finjo de barbatanas
bem afiadas, que além
de uma montanha, existe
outra. E assim fica elas
por elas.

 

Mas, pensando bem...
não sou tão feliz assim.


Mas um dia serei o
toque de pele e mãos, que 
me  abranda um violão.

 















E Lá Sou Eu ?

 

 

e lá pareço
como sou,
e lá sou o que
pensam o que não sou?
e lá ligo pra os que
se abotam de glórias ?

e voltam imersos
na solidão a cada
meia hora ?
pelos lábios
que nos cercam !

não sou o que sou,
não sou jardim de cheirar,
ou sol de rolar cor,
não sou pão de natal
nem champanha de beber.

mas, afinal quem sou?
e eu sei ?

é até castigo !
parem de me chamar
toda hora,
ou hora e meia, de
melro que não encanta,

porque vivo
em seu corpo,
e viro seda entrelaçada, que usa
até de laços,
pra perceber
seu cheiro de
vestido !

 

Vou reclamando da vida
reclamando da ida
me perdendo na louca
aventura da solidão
de dois juntos e
um separado

no do ré mi do amor !























Colisão de Ausências

 

Sou parte da nesga,
que constrói o desespero,
o início e o fim
das coisas perenes.

 

Formo a angústia da espera.


Torno o tempo escasso
e volátil.

 

Sou pária em seus braços e
colisão da ausência.

 

Sou texto familiar,
moinho espanhol,
palha dos mendigos.

 

Meu caminho é pedrado de
dúvidas, é
rota de colisão
com a ânsia e a solidão.

 

Sou administrador de 
saudades. 


Sou senhor de
todas as abadessas,
donas do prazer
enigmático.

 

Sou plantonista dos 
sem fins,
dos sem causa,
e sem sombra.

 

Moro à bessa,
a beira de um rio,
onde falha a segurança,
e brinco de vida e morte
com os fantamas dela.

 

Um caso especial 
onde a rosa é sempre 

desculpa para o roçar!

 

Meu sol não acende
mais minha vida, mas faz da lua
quadro querido,
 e estático,
que sempre inspira  coisas
de amor,
e atiça o pó
dos tropeiros da guerra.

 

Agora, em minha vida é
hora para caminhar entre
arranhos e 
desesperos,
e nadar no vazio
das almas ocasionais.

 

À você fica o abraço querido:
quando da próxima vez a nos ver,
trás um pouco de amor,
e um formidável abraço
de acalanto e
um beijo para as
lembranças dos feridos.

molha chuva,

molha nós dois,

e nos faz ruídos

do curvo amor.






Ameixas de Julho

 

 

A vida é uma só,
dizem até que há duas:
não conheço nenhuma
delas,
nem do início
nem do fim.

 

Fiz um protótipo de
minha solidão,
com arcos iluminados
e vazios deslumbrantes.

 

Não sou chegado
de vazios,
mas peco pela indecisão
de nunca ter o que
está em minhas mãos;
de possuir sufrágios
e deles não fazer votos.

 

Da vida o que bem
conheço
são lembranças
merecidas,
em vôos por terras bravas
onde cotoviam aves,
espargidas de cores
divinas: é seu espelho !

Então, passo rápido,
ninguém percebe nem a sombra;
mas quando sussuro seu nome
junto aos pássaros sem rebeldia,
eles cantarolam belezas
e mostram que dúvida
não há:


ou você vem coroada de rainha
e embeleza meu trapo corpo
com sua graça amena e depois
conta:
meu querido, sou sua paz e luz!

 

(Poesia Dedicada à Ticiana)






Pelo Sim, Pelo Não

 

pelos dias,
um dia, 
dia sim, dia não, 
chamei meu pai de 
pedra 
e minha mãe de flor de lis. 

um dia chamei meu mestre de dono 
e meu oeste de decepção, 
meu norte de esperança, 
já que lá no sul, 
debruava 
choros de mulheres, 
vestidas de camaleão,
me afastei do devido calor.

um dia chamei 
meu amor de vida 
e minha morte de vazio, 
chamei o rei de basco 
e a rainha, sem rumo,
de vassalina. 

 

e pela vida fui chamando 
até, que de algum lugar, 
onde se fala amando, 
me mandaram me chamar. 

 

então, minha amante 
chamou  o meu mundo de dor, 
enquanto, minha amada, 
chorava feito 
rosas sem dono.

 

enfim, 
fui de mansinho,
de ca pra lá,
dois dias andando
de fininho.

 

sem lugar pra atracar,
sem fado pra cantar,
rosas sem pensar.

pois naquele momento
da vida eu era apenas
um doce navio,
com resmas
de saudade,
bem pronto
pra afundar. 

 

 













O Menino Que Ganhou um Riacho

 

 

Fraco, sobejo o vôo,

auguro a aurora

em partes de agonia,

onde não brotam águas.

 

Minha caixa é de brinquedo,

minha voz é de criança,

meu pai é de longe,

minha mãe, vem da terra

batida, mas querida.

 

Venho de longe igual a uma

caixa mágica,

que me leva

ao fim do mundo,

onde o sol não nasce

mas flores dançam ao sol.

 

Este sou eu, dos riachos,

constante da natureza,

com água pedreiro de paredes,

e com musgos de

flores no coração.

 

Valia minha bruteza quando

era forte;

hoje, esquálido

e esquecido,

refaço meu coração de pedras

e calço a ansiedade e o medo

com tragos de solidão.

 

E neste riacho

vou morrer;

neste riacho vou partir;

sem dar adeus.

 

O riacho tem vida

Que abranda

A minha !

 

Todos se foram

e minha luz interior

se esvai, lasciva mas

perene.

 

Vou, então, pra onde?

Pro canto do mundo?

Ou pros escondidos

das águas?

 

Se vou, choro,

Se fico, sou porta

de cachoeiras

incansáveis.

 

Ah bela!

Se desfilo,

vou sem passo.

 

E se amo, caminho

pelo riacho de criança,

cujas águas eternas

alisam meus pés

e ainda me protegem

dos revés que

me aportam !

 

Hoje vivo nele,

abrando folhas

esparsas que nele

nadam.

 

Somos dois

amigos.

 

Somos a procura

da vida.

Ou já somos

achados 

da vida.

 


 

O Passado  é um Lugar Perigoso

 

se pudesse eu

do alto de meu vazio,

por um instante só

resfolegar

minha ansiedade

em seu colo,

deveria

agradecer aos

dispostos.

 

se pudesse eu,

por uma vez que seja,

soletrar meus lábios

nos seus,

aceitaria o gesto

de plena piedade

e derradeiro

meio enlace.

 

onde fico?

na esquina dos

desaparecidos.

 

onde criança faz a

festa

e os homens plantam

centeios de vazios.

 

                          

Medito...

medito, por instantes,

pois sou apenas um centavo

de alegorias

dos sozinhos...

 

então,

 

Se eu pudesse,

se eu pudesse,

ser...

 

uma vez,

uma vez somente,

ser

lírios de seu corpo,

luz de seus olhos,

me bastaria a vida

e não se repetiria

minha morte!

 

pois no passado

não vou mais,

pois duendes de lá,

me disseram, sem pompa,

é um lugar perigoso !

 


 

Saudades do Que Foi

 

 

Mal que passo,
mal que redobro,
mal de amor,
que me dobra.

Mal que vivo
dia sim, dia não,
da glória revivo:
de mãos dadas!
dúzias de vezes !

De pura saudade

do meu era

criança de chorar !












 

 

Espelho de 2 Faces

 

 

Sem medir as coisas

do tempo,

fui em busca do

espelho

de duas faces.

 

Outrora viveu por lá, sem hora,

mas de passados, só sombras

sem auroras!

 

Rodo que rodo,

pejo à indiscrição,

rodo feito saia,

mas dela só guardo

raras aparições.

 

Sumiu.Sumiu de vez.

Rubor meu!

Tá morando na zona desconhecida,

onde todo mundo faz parecido!

 

Dizem que ela nasceu

em lugar nenhum;

nenhum, porque era

do mato,

e de lá não se via

rumor da cidade.

Pobre menina de desdém!

 

Era um ponto no espaço

que correspondia a um astro!

 

Sai atrás dela,

como bonde perdido,

de chapéu roceiro,

mas vazio, bem oco,

escavado de esperanças

e vizeiras de outrora!

 

Um dia, me contaram

dela:

tinha partido de desdém

pro fim de seu mundo.

 

Nunca mais ouvi dela

falar;

raro momento de lucidez

me tomou -

afinal encontrei o tal

espelho de duas faces

que, agora,

só me escorria

meus contornos escuros

e saudades coturnas.

 

Ela quebrou a magia do tempo

e, com isso, virou sombra,

feito ardido vento,

e me deixou sozinho, sem

qualquer honra!

 

Do espelho escorrido

sobraram pedaços mágicos de vidro,

e um pano esvergado de saudades, onde ela morava.

 
















 

Faz a Hora, Que eu Faço o Dengo

 

Mas nem por isso,

nem pelo vestal,

ou pela vaga reza

nem por um minuto sequer,

deixei de chamar

pelo nome dela.

 

Nem por um minuto.

 

Deixei de querer

aquela mulher de

apenas um quarto

e doze vidas de amor.

 

Mas lá pelas tantas,

dessas que ocorrem sem

querer,

soube eu,com ardor,

fardado de bom, e risonho,

que ela tinha de me deixar,

enquanto, no fundo,

tocavam a marcha dos falidos.

 

Triste sina,

desta vida dura de

entender

e que pouco ensina!

 

Não sou de ferro,

nem de pérolas,

sou o que pareço ser: um erro

 

Sou metade de tudo

pura fantasia,

sou a hora dos poucos!

 

E naquela tarde

fiquei entre o branco e o nada.

que se misturam numa dor do vazio.

 

Pensava: que mundo é esse,

que perco até no laço?

 

Mas nem por isso vou deixar

de carregá-la em meus braços.

 

Não aqui, mas num

lugar bem perto,

perto do céu,

onde não nem se tira fatura

pra mulher escorregadia.

 

Bem longe, perto do céu,

onde estão os calados,

que elevam seu espírito

e se confortam com o beijo

da mulher amada!

E nisso tudo, perdi,

a ida, a volta, o regresso

e de malas vazias,

enquanto tocavam o realejo.

 












 

Pavilhão do Vazio

 

 

Sinto que sinto, 
que nada me passa, 
que sou alcance, 
pedras de triturar, 
comodatos dos fiéis 
cavaleiros sem reino. 
 
Se vem da terra, 
boia na água, 
encharca os vinhedos, 
sem voltas, de passadas 
e goles rápidos, 
cheio de repentinos. 
 
Sinto o que falta 
para começar a 
acabar.
 
Sinto que falta,
o início do falso,
que começa a chegar. 
 
Sinto o que passa: 
na terra dos caracóis.
 
Se ela passa 
vou untado de mel! 
na terra só minha, 
onde rodopiam girassóis! 
 
Não importa seu caminho: 
deve ser curto, 
cheio de pavio, premente 
para lançar chamas 
no vale do amor 
sem sol. 
 
Se vai,  não vou atrás,
se  nada faço,
então sei que
acabo de entrar
no pavilhão
dos sozinhos.

 

 

(Poesia dedicada à Ticiana )

 






















 

Tempo de Ontem

 

 

Vivo simples, 
trôpego e audaz, mas 
carregando mazelas e 
raras esperanças. 
 
Vivo, assim, de corrente 
atada às mãos e um mago 
coração à espera. 
 
Vivo asimples, 
sem correria, 
sem correr trilhos, 
sem esperar sinais 
que estocam sempre 
no vermelho. 
 
Sou de paz e esperança, 
sou dengo de três vozes, 
mas não sei ganhar, 
sou bandeira, mas 
pátria não tenho. 
 
Tenho macieiras, destas 
de comer, mas não quero voltar 
no tempo, e nunca mais correr 
atrás de frutos  que já tem dono. 
 
Porque logo atrás, depressa vem, 
meu passado que perdi, 
meu futuro que despedi, 
meu presente feito de 
cimento de construir, 
e a imagem dela 
pronta pra me servir 
de pontas de luz 
que jorram de seus olhos 
com almejos de amor. 
 
Tudo isso porque 
não posso viver sem ela. 
 
No fim, só espero o tempo 
passar e, por milagre, 
renascer no colo dela. 

 

(Poesias dedicadas à Ticiana )

 



















 

Passado de Três  Dores

 

 

Quero ser tão 
pequeno como pequeno 
é o grão. 
 
Quero ser um senão 
em sua vida
igual a um figo, 
e conquistá-la 
como se ganha 
o trigo. 
 
Se me perco em seu 
corpo 
é porque 
não sei sobreviver sem 
ele. 


Sou apenas amor
dos tortos.
 
 
De raspão você passa 
olha, e de vesgo 
diz :
 
valentia, meu amor, 
de mim nada mais terá, 
viverá a minha sombra 
como os pinherais 
límpidos fazem 
sombra à ave de cor.
 
E assim, sigo meu 
caminho 
de três trevas:
 
uma vela de dor, 
uma escada de 
verniz e uma rosa cansada.

 
majestosos,
mas que não levam a lugar 
nenhum do nosso
triste passado.

 

Passado de Três Vezes,

que não consegue morrer.

 

(Poesia dedicada à Ticiana )

 

 





















 

Dia Afora

 

 

Fui dia afora,

corrido em três berços,

fui oração de mãe

e orgulho de pai.

 

Corri berços e colos,

corri mundo,

por mãos desconhecidas

que me diziam coisas

que não entendia,

coisas de amor

e corrimões de ódio.

 

Fui dia afora,

fui abraçado por

luz  benta e azulada,

experiências de

eremitas de amor,

frescor de muitas mulheres,

e dengoso boneco de choro !

 

Fui sempre alentado

por cobertores de abraços

de mel e beijos dourados !

 

Mas, já de idade amendoada

por tristezas e alegrias,

 

descobri

que a vida de amar

é feita de cores

mas  também,

é palha seca de queimar !

 

(Poesia dedicada à Ticiana )

 




















 

 

 

Pedras de Triturar

 

 

Se vai, vou atrás. 
 
Não me importo 
com abreviaturas da vida, 
se ela passa, passamos nós, 
se o pêndulo da meia-noite 
marca as horas do medo, 
afago as mãos dela, 
e peço, meio cáustico 
e redentor, 
não me deixe sozinho 
neste jugo de solidão. 
 
Se foi, partiu devagar. 
Se chegou, veio com pressa, 
se me mandou cantar, 
afogo minha voz 
na ária dos mudos. 
 
Se está certo 
o certo vai provar. 
Se errado caminhou 
o cervo vai acordar. 
 
Se sou dois caminhos 
numa trilha apagada, 
sou voz trêmula, também 
pra gritar: 
 
Me procura, nos 
caminhos curtos, 
de vento azeitados. 
 
É lá que fico, 
por horas,
por esmero, 
à espera da saia longa, 
brocada de suaves e 
lânguidos amores. 
 
É lá que espero. 
É lá que mora 
meu desespero! 
 

( Poesia dedicada à Ticiana )














 

Pedras Sem Tempo

 

 

 

Ordeno meus pensamentos,
onde toca a dança,
faço uma pedra
bem afeiçoada,
pedra bem ao gosto,
amarrotada pelo tempo,
esquecida no embrulho
da montanha.

Pedra que me faz pedra,
gente que me atiça adiante,
com fagulhas de ardósia,
criam uma moldura azul-afogueada,
e fazem
passos de um só homem
de uma vontade sem levantes.

Na vida,tudo amarroada!

Procuro lembranças dela
no pôr-do-sol,
onde desfila na vitrine
das despedidas.

Mas, se hoje sou eu que me perco
de saudade e sem vida,
a procura da moldura dela,
amanhã será você,
a procurar a verdade de tudo.

Mais virá tarde:
virá pedra sob pedra,
na ardósia da vida,
onde nada restou, senão pó,
de nosso grande amor gratinado
de só de adeus - sem Deus -
disso só viveu!

 

(Poesia dedicada à Ticiana )

 

















 

A Mãe do Prefeito

 

 

 

 

 

Assisti, por curiosidade e como cidadão apaziguado, a uma pertinaz sessão plenária, na Câmara de Vereadores de uma cidadezinha qualquer deste interior do Brasil.

 

Não foi por querer, sou capaz de jurar. É que, tendo a profissão de viajante, percorro quase todas as cidades do nosso Brasil e sempre tem um programa erotizado para se fazer: conhecer vizinhas avulsas, maravilhosas e solitárias.

 

Mas vamos lá. Naquela noite, perdido no centro do Brasil, não encontrei vizinhas em liberdade. Parece que todas as mulheres resolveram se esconder em casa.

 

Tentei de tudo, mas parece que eros estava ausente. Andando pelas ruas, sempre mal-iluminadas e cheirando a flores, aí, fiz o melhor que pude : fui na numa sessão da Câmara Municipal - destas milhares que existem no Brasil. Um prédio luxuoso que contrastava com a cidade, com o poder aquisitivo do povo. talvez aquela iluminação feérica tenha me atraido para seu interior.

 

Sentei sozinho. Não havia viva alma num plenário que mais parecia uma capela mortuária. Havia uma fileira de 12 cadeiras por 8 fileiras. E eu sentei sozinho no plenário.

 

Ao sentar numa dela, tudo rangeu e os olhares dos senhores vereadores bateram em cheio em minha pessoa. Rude em política e alheio às coisas pública que estava ali ou para ver a sessão ou tirar uma soneca, depois de tomar alguns aguardente. Certamente para cochilar.

 

A sessão começou. Havia no plenário cerca de 8 vereadores, todos eles engravatados. Parecidos com aqueles que vão a um casamento ou a um enterro, por obrigação, e colocam aquelas roupas desprogramadas e com as mangas enxovalhadas de suor.

 

Um vereador, para minha surpresa, mandou constar em ata minha presença. A coisa ficou meio sem graça. Foi preciso eu levantar e dizer meu nome. E foi constado em ata que eu estava lá.

 

Apesar de meus olhos tentarem cair no ostracismo do sono, eu me mantinha firme. Aquela noite, todos iam falar para mim e certamente quem era eu, ou se votava pelas redondezas. Eu tinha mais é de ficar atento. Quem sabe se outro vereador não me chamava para alguma coisa? Só pra me agradar?

 

A sessão - como disse - começou -. encralavrada e titubeante na voz do Secretário. Ele tinha um montão de papéis sob a mesa à sua frente. E começou o blá-blá-blá. Votos de congratulações para fulano, voto de pêsames para sicrano.

 

E eram votos e mais votos que não acabava mais. Quem nascia ou morria ia sendo mencionado. Quem casava ou sofria alguma acidente, tinha seu nome mencionado naquelas infindáveis Indicações. O poder da democracia estava ali

 

E isso durou mais de hora. Eu fatigado e já opressivo com tanta inutilidade. Mas fiquei sabendo, para minha cultura, que nasce mais gente do que morre.

 

Depois, outro montão de papeis.Todos timbrados e tenazmente batido à máquina,( computador nem pensar ), por secretários que tinham alto salário só para isso. Eram os pleiteadores de obras para cidade.

 

Devia haver umas cem folhas que foram lidas durante mais de outra hora. Era um tal de asfaltamento: onde era terra, de terra passar para calçamento, de calçamento para asfalto, de asfalto, para deixar como estava antes.

 

Sinalização em pontos perigosos na estrada, proibição para que crianças andassem de bicicletas nas calçadas da cidade. E uma terrível inutilidade que arranhava meus umbrais de minha paciência.

 

Eles trabalhavam do nada para o mais nada.

 

E para meu desespero havia mais. Pedido para construção de passarela numa rua que tinha apenas uns 10 metros de largura; pedido para ver as contas do prefeito...Ai a coisa esquentou. Falaram do prefeito e seus defensores logo se levantaram.

 

O pedido de informações atiçou um pouco o morno  ambiente. A oposição formada apenas por quatro vereadores queria saber onde o sr. prefeito havia conseguido dinheiro para reformar sua casa e comprado uma casa de praia.

 

Os oposicionistas logo se levantaram. Um deles falou: sr. presidente, pela ordem, peço a palavra, esta matéria é assaz ( meu corpo se desfez em pedaços gramaticais) contrária ao parágrafo número tal do Regimento Interno da Casa, pois ninguém pode se envolver com os assuntos pessoais do prefeito - sua vida particular.

 

Outro vereador falou: Sr. presidente peço a palavra. E foi dada. Sr. presidente, srs, vereadores, disse ele, a matéria está na Constituição pois o sr. prefeito, segundo denúncias de um jornal local, comprou a casa com o dinheiro público.

 

Protesto e peço a palavra, rumorejou outro vereador. Sr presidente, srs. vereadores, estamos ultrapassando os limites da loquacidade particular do sr. prefeito. Quem quiser denunciar, que denuncie com provas.

 

Peço a palavra - levantou outro vereador da posição. Sr. presidente, srs. vereadores, pelo que me cabe a dizer a casa em questão foi comprada com o dinheiro que o sr. prefeito ganhou de herança da mãe dele.

 

E ai bradou outro vereador: E esse prefeito tem mãe viva? Mentira, sr. Presidente a mãe do sr. prefeito já morreu, e eu posso provar e nunca houve essa história de herança, se todos nós formos amanhã no cemitério eu posso mostrar seu túmulo.

 

Ordem na Casa, disse o Presidente. Senhores falou ele, isso é apenas um requerimento que ainda vai para as Comissões para ser analisado e devidamente esquadrinhado.

 

Vamos deixar para discutir esse assunto na hora devida. E o outro falou imediatamente: peço a palavra sr. presidente. Com a palavra o vereador requisitante, disse o presidente.

 

O assunto não é bem esse. Na verdade o que eles querem é macular a figura do prefeito, dizendo que ele não tem mãe!

 

Peço a palavra sr. Presidente - conclamou outro vereador afoito: ninguém aqui disse que o prefeito não tem mãe. Foi dito , e consta da ata, que a mãe dele está morta, enquanto outros disseram que ela está viva.

 

Se está viva, como pode ter deixado uma herança? E surgiu outro: com a palavra sr. Presidente! Vamos constituir uma comissão de cinco vereadores e vamos amanhã mesmo ao cartório e ao cemitério constatar a verdade.

 

Não conheço a senhora-mãe do prefeito, nem sei se era uma senhora de posses, nem sei se ele tem ou não mãe, mas temos que deixar essa história clara!

 

Peço a palavra sr. presidente - retrucou outro vereador -  estão ultrajando a figura da mãe do prefeito...

 

Peço a palavra. - disse outro. Pela ordem, disse o presidente. Com a palavra o vereador que pediu a palavra. E porque vocês não telefonam agora pro prefeito e perguntam se ele tem mãe ? Se ela esta viva ou morta? - propôs um vereador.

 

E um outro falou: No intuito de preservar a verdade eu proponho que seja exumado o corpo da mãe do prefeito, se ela tiver morta ou nos tragam um atestado que ela esteja viva. Ou senão fazemos o exame de DNA, viva ou morta.

 

Mas o prefeito não tem mãe! - bradou um vereador posicionista. Vocês querem fazer exame de DNA na mãe do prefeito, com ela ainda  viva?

 

Eu proponho a exumação!- disse um, chegado a filme de terror.

 

E que o sr. prefeito nos traga o Imposto de Renda da mãe dele. Ai saberemos se ela está morta ou não, se tem posses ou não.

 

Não é necessário meter a Receita Federal nesta história. Primeiro, porque todos sabem porque e, segundo - com um tom voz enrustido - aqui já se fez tudo com a mãe do prefeito. Se ela tiver viva, tudo bem.

Mas se a mãe do prefeito estiver morta...

- Sr. presidente - peço a palavra, disse outro. Os oposicionistas, credo-cruz - estão dizendo que o sr. prefeito não tem mãe.

 

Peço a palavra sr. presidente, falou outro vereador - nós começamos a discutir aqui a abertura de uma rua e fomos parar na mãe do prefeito...isso não é justo...

 

Sr. presidente - acentuou outro - para o bem de Nossa Casa Democrática - não fica bem meter a mãe do prefeito nesta discussão.

 

E falou o Presidente, umas três vezes - silencio...silencio.. - Para  que todos fiquem satisfeitos vamos constituir  uma comissão para ir na casa do prefeito perguntar se ele tem mãe....

 

- Protesto, sr. presidente - o sr. acha que eu vou na casa do prefeito a esta hora da noite, perguntar se ele tem mãe ?

- Peço a palavra sr. presidente, disse um vereador pingando de suor e, logicamente muito amigo do prefeito - agora estão chamando o prefeito de assassino....

 

Protesto, sr. Presidente..- Enquanto isso o presidente da Casa  toava uma nervosa campainha.

 

Era minha deixa. Sai de fininho e me dirigi ao bar mais perto e pedi uma pinga da terra - famosa por lá. Deliciosa ao extremo.

 

Foi ai que o dono do bar me perguntou, enquanto lustrava a mesa com um pano de mão todo sujo - o sr. estava na Câmara ?

 

Eu disse, meio desconfiado, disse: estava sim, vim de lá agora .

 

E o dono do bar me encarou e falou:

 

- O sr. sabe da última que corre na cidade ?

 

- Não...disse eu.

 

- O sr. sabe que enterraram a mãe do prefeito ainda viva?!

 

( Texto dedicado à Ticiana )

 























 

Amor Não Tem Matemática

 

 

 

Sonolentas as manhãs,
se desdobram em luzes,
e se abrem os pássaros
ao sol; rebatem-se ao
vento que tem a medida
certa de cada vôo.

 

Se ela soubesse o que eu sei
esta manhã,
Se ela ela imaginasse ao certo
esta manhã,
estaríamos juntos na amplitude
do espetáculo matinal,
à espera de que nos nutrissem
de ânsias e desejos.

 

Mas de longe, sentado,
ao largo de um banco úmido
de orvalho,batido pela madrugada
sabemos que perdemos o que
nunca tivemos,
e deixamos de ser
aquilo que sempre éramos:
música de sonho,
flauta mágica que nascia
quando o verbo da
carne falava
através dos desejos úmidos;
das testas empoadas de suor.

 

Assim foi uma única
vez:
o que vinha numa direção
rebateu-se noutra,
e a paz que era duradoura
virou pacto de guerra.

Hoje, sabemos nós,
estamos
perdidos em dois
espaços, onde, soslaio,
não há mais tempo.

Nem para ir nem para voltar.

 

Duendes mágicos trataram de nos
fazer coisa passageira, cobertas
com dobradiças de ouro e almejadas
de beijos e abraços que, nunca,
nunca, chegaram por aqui,
na minha velha choupana:
antro apaziguado
dos desejos e da solidão,
que se mede ao vento
e bate afônica até às lágrimas.

 

E faz soslaio de luz numa
cabana que nunca existiu,
neste amor cheio de 
raiz quadrado.

 

(Poesia dedicada à Ticiana)

 



















 

Não Perca pela Hora

 

 

Preciso intensamente
das horas;
elas me impulsionam,
me faz grato
e sobretudo sagaz,
pois sem ela, não vivo.

 

É hora prá cá, é hora
pra lá. Toda hora é minha
hora.

 

E são tantas que
não sei o que fazer
com o emaranhado de minutos
e segundos que me atordoam.

 

Mas as horas me perseguem -
como um estinlingue atiça um
pássaro .

 

Se me guardo, não sei quantas horas
são. Não sei como medi-las.

 

Por serem inconstantes, uma hora
é assim, outra hora é diferente.

 

Mas sei que elas me perseguem:
não sou corredor de pista
veloz, nem autódromo
de crianças,
nem cronômetro de espartilhos,
nem vela que acalenta o morto.

 

Por isso as horas são
para mim,
ao mesmo
tempo, texanas e, outras,
vindas do Cabo das Tomentas.

E se me perguntarem as horas
já não vou saber:
meu relógio só marca profundidades -
e posso naufragar até 50 metros!

Bem, as horas estão passando
pro lado de cá.

 

E lá, uma coisa
me ensinaram:
pra amar não tem hora:
é só chegar bem na hora!

 

Mas isso é outro assunto
pra outra hora!

 

Mas é hora de ir.


Senão for, me perco nos
minutos
e me tonteio com os segundos.

 

Fiquei tonteado no tempo,
esperei por ela
um monte de horas,
e tudo virou segundos,
e no final, minha hora 
foi parando. 

 

Perdi meu amor
por causa do tempo
que deu justa causa
a um intrometido,
outro dengo,
cheio de outras horas,
que ela achou.

 

(Poesia dedicada à Ticiana )

 




















 

José Kappel
Enviado por José Kappel em 07/02/2023
Reeditado em 04/10/2023
Código do texto: T7713444
Classificação de conteúdo: seguro