PESCADOR JOSÉ - História 2

 

     Foram cerca de três horas de caminhada sobre um chão comprido de terra vermelha, até que a mata se adensou e a estrada desapareceu.  Brandindo o facão, José seguiu abrindo uma picada, cortando cipó ainda virgem que pendia do alto das árvores e se entrelaçava a outros ramos perto do solo. A impressão que ele tinha era de que, ao passar, a mata se fechava novamente sem deixar pistas. Enfim, abriu-se a clareira e José avistou as águas turvas e calmas do rio, que serpeava entre a vegetação tropical e se perdia na curva. Ele Suspirou… Mil vezes o visse, mil vezes se surpreenderia. “Eta, beleza de Nosso Senhor!” Aqui e ali, a galharia de um tronco encalhado entre as pedras. Nas margens ainda havia a marca deixada pela água. A enchente fora das grandes. O pescador parou em frente ao remanso, a uma distância prudente do barranco. Decidiu que seria um bom pesqueiro. Acomodou as tralhas. Iscou o anzol, lançou a linha, descansando a vara de bambu num gancho improvisado de madeira e esperou, sentado no banquinho. Tirou do embornal o fumo de rolo e da bainha de couro presa no cinto, o canivete. Devagar, picou o fumo na palma da mão; feito isso, enrolou o fumo na palha e acendeu o cigarro para espantar os mosquitos. Ficou um tempo observando a fumaça se diluir na paisagem até que notou movimento na água. Um puxão e o peixe foi fisgado. Meia hora depois, outro peixe. Dois jundiás de bom tamanho. “Hoje é dia do pescador”!

     A noite chegou rapidamente. Alguns amigos relataram ter visto pegadas de jaguatirica, portanto, era melhor se precaver mantendo as feras à distância. Atento a isso, José recolheu alguns galhos secos e fez a fogueira.

     Dentro d’água os dois peixes se debatiam presos no interior do cesto, cuja haste José amarrara em um galho da goiabeira que crescera na margem. Amanhã, serviriam de alimento para a família.

     Uma brisa úmida soprou-lhe o rosto. Observando o céu, José percebeu que a lua havia desaparecido. “Mal, mal!” Pensou. Com auxílio do gasômetro ele iluminou ao redor e viu na borda da mata, sob a copa das árvores, um grande cupinzeiro meio desgastado em formato de concha. Serviria de abrigo, caso chovesse. E choveu. O pescador se apressou em recolher as tralhas. Limpou a parte do solo que seria seu dormitório e estendeu a lona. Com a cabeça sob o cupinzeiro (a jaqueta jeans desbotada servindo de travesseiro) e o corpo coberto pela capa impermeável, ele não demorou a adormecer. A chuvinha caiu, miúda, e persistiu até o fim da madrugada. Pela manhã, os primeiros raios despertaram a mata, o rio, e tudo mais que compunha o cenário. Atravessando o aranhol dourado, a luz fez cintilar as gotículas remanescentes. O pescador espreguiçou, fazendo estalar os ossos finos e se levantou. Ainda sonolento, percebeu algo se movendo ao seu lado e o susto o fez saltar. A enorme jararaca, que dormira dentro do cupinzeiro, finalmente livre, saiu pela abertura onde o ele repousara a cabeça e foi buscar seu lugar ao sol. Não houve confronto. Apenas mais um milagre na vida do pescador. 

Imagem: Rio das Velhas, Acuruí, distrito de Itabirito - MG / por Zaira Belintani 

Zaira Belintani
Enviado por Zaira Belintani em 16/08/2024
Reeditado em 28/10/2024
Código do texto: T8130603
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