Sexta-feira
Toda a sexta-feira era o dia de vê-la. Pela manhã, ele acordava ansioso. Sabia que no final da tarde iria estar envolto em seus braços. Logo mais, estaria revirando os lençóis da cama de uma mulher recém-divorciada.
Ainda em casa, saboreava seu café da manhã e olhava para a esposa e fillhos com uma leve culpa. “Não me falta nada, mas por que preciso ir até lá?” A dúvida surgia subitamente assim como ia embora ao lembrar do gosto da pequena.
Sabia que essa situação não iria perdurar eternamente, mas também julgava que não perderia o controle. “Quando eu precisar eu sei que vou parar com esse lance. Não quero perder minha família, mas também não quero perder a pequena.”
Ao longo de toda a semana, incendiavam um ao outro com provações, mas no dia do encontro era especial. Fotos e promessas do que fariam no tão esperado momento alimentavam o fogo da paixão descontrolada. “Como irei deixar isso de lado? Como fingir que isso não existe? Que se exploda! Só se vive uma vez!”
Após o expediente na repartição, o discreto carro de aplicativo lhe deixava alguns metros antes da entrada do prédio da concubina. Avisava-lhe por mensagem que estava chegando. Por precaução, ela já se antecipava e tomava o cuidado de deixar encostado o portão para o amante subir sem demora e assim diminuir as chances de ficar exposto aos olhares alheios em frente à entrada do condomínio .
“Estou lhe esperando meu amor! Venha logo!” Leu a mensagem antes de sair do veículo. Ao iniciar a travessia da rua conseguiu perceber a pequena na janela, levemente escondida entre a cortina. Em seu rosto, ostentava um sorriso ao cruzar com seu olhar. Mesmo ainda um pouco longe, conseguia percebê-la usando a sua camisola preferida. “É hoje!” Pensou ele de inopino ao atravessar a via ao mesmo tempo que sua cabeça era tomada pelos mais lascivos desejos.
Enquanto caminhava em direção à entrada, notou que o olhar dela mudara repentinamente. Em seguida, uma pontada de calor cortou-lhe o peito e um forte estampido é ouvido. Demorou uma fração de segundos para notar que fora atingido pelas costas por um tiro.
Continuou a fitar o olhar da pequena, que ainda da janela se despedaçava em prantos. Caiu de joelhos no meio da rua sem conseguir visualizar o autor do fatal disparo. Era alguém conhecido. O ex-marido da pequena, o qual, nitidamente, não havia tido a capacidade de tocar a vida após ter sido trocado por nosso amigo audaz.
Partiu antes de perceber a amada vir até ele e lhe segurar pelas mãos e gritar em desespero. Um último pensamento ainda veio no já quase desvalido cérebro antes do suspiro final: “No fim das contas, consegui perder tudo.”