DA OCA PARA O MUNDO

“...Oooomm! Hare hama...”

Nos interstícios da dor pode haver argumentos.

A fisionomia carregada de um beduíno, o ar sisudo de um ermitão ou a placidez de um monge.

O pajé bota unguento na ferida. A sabedoria advinda dos espíritos ancestrais o conduz. Aspira fumaça e expele saliva. Num sussurro longo e plangente faz a dor se extinguir - O cunuminzinho desperta curado.

Os espíritos falam aos ouvidos da populus: deus das matas, deus das serras, deus das lagoas e dos igapós ali presentes orientam o patriarca.

Elucubrações, vibrações, desejos, medos e as sensações mais exóticas. A maloca nua, uma só voz, um couro. Não constituem palavras, desejos renhidos, não proferidos pelo aparelho fonador, apenas com a alma.

E aí a alma transmuta, revela-se muito mais translúcida quando não se vislumbra sua aura.

Todos morrerão conscientes. Obedecer é preciso também à beira da tumba, onde também há reverência e predileção.

Antes um morto cônscio, leal às suas características culturais, do que um povo vivo estúpido, sem dignidade, sem rumo.

Se for preciso toda a maloca vai cair no despenhadeiro. Porém, vai submissa, disciplinada e convicta da honra paternal e da ética que reinou sobre o clã.

Joel de Sá
Enviado por Joel de Sá em 05/05/2024
Reeditado em 05/05/2024
Código do texto: T8056786
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