Jantar
Em algum cantinho estava "A" que me observava em silêncio. A nossa convivência sempre aconteceu em termos de silêncio. Deveria me preocupar? Talvez! Se eu não concordasse quão cansativo é ter a todo momento que falar o óbvio até contestaria o seu jeito. E não! Ele não me disse que é cansativo dizer o óbvio, mas às vezes me pergunto de onde vem tanto e nada da mesma pessoa.
Talvez você se pergunte como descobri que para ele é cansativo explicar o óbvio. Eu apenas sinto. Eu não gosto. “A” também deve não gostar.
-Oi, “A”! (O som do meu estômago competia com o tom da minha voz) Continuei...
-Que fome! Que dia angustiante. Só quero algo para comer.
- A comida já está pronta. (Falou a voz de mamãe aos gritos lá da cozinha)
Caminhando em direção às panelas me dirigi á “A” e disse:
-Você está muito ocupado?
Depois de colocar no meu prato alguns legumes e ovos com arroz, sentei à mesa. Mamãe parecia triste e cansada. De suas mãos, mesmo que a pouco menos de um metro, exalavam um pouco do cheiro de alho e tempero baiano. Seu cansaço não parecia vir apenas do manuseio das panelas que a muito tempo ela tomou como extensão de si mesma. Fico assustado com isso mas não há quem a faça aceitar o contrário. Da última vez que tentei, tomei um grande puxão e fui repreendido sob um olhar de censura.
-Aconteceu algo? Perguntei.
Ela ignorou por um instante minha pergunta para convidar “A” sentar-se à mesa. E respondeu.
-Não, não é nada. Gostou da comida?
-Está ótima.
Ela sorriu e seus olhos estavam devotos e brilhantes.
Enquanto comíamos depressa o alimento do nosso costumeiro cardápio, observei que o olhar de mamãe parecia acolher um filho que reclina a cabeça em seu colo. E de fato, era “A”. Mamãe agora estava feliz e eu triste.