Aquela imensidão azul
Sempre sonhou com o mar, que nunca viu. Morava no interior, só via montanha para todo lado que olhasse. Grandes e pequenas, todas verdes, é óbvio, a perder de vista. Sonhava com o azul. Ondas redondas como montanhas, azuis, como na tv, que rolariam sobre ela e a lavariam. De corpo e alma. Se uma montanha rolasse sobre ela… bem, ela estaria soterrada e morta. Por isso a birra das montanhas e o anseio pelo mar.
Cresceu, arranjou emprego, guardou dinheiro e planejou a viagem. Enfim conheceria o mar. Só tinha um problema, não sabia nadar. Não gostava de piscinas e tinha pavor de rios e lagos. Água só no chuveiro e no mar. E por mais contraditório que pudesse parecer, sempre se imaginava entrando no mar, furando as ondas, mergulhando e descobrindo as maravilhas escondidas no fundo. Totalmente encoberta pelo azul cristalino.
O dia tão esperado chegou e ela não aguentava de ansiedade. Não conseguiu dormir um minuto sequer da longa viagem de ônibus. Os olhos agarrados na janela, esperando ver o mar a qualquer curva do caminho. E de repente lá estava ele. Azul. Imenso. Lindo. Poderoso.
Quando o ônibus da excursão parou na praia, mal pegou suas coisas e já corria pela areia grossa e amarela. Largou a bolsa, tirou os chinelos, e foi em direção a água lentamente, os olhos absorvendo toda aquela imensidão azul. O vai e volta das ondas lembrava a respiração. O mar estava vivo, pulsava.
Chegou na parte molhada da areia e esperou que a onda retornasse. Molhou os pés, e era tão gelado. Deu mais alguns passos. Sentou na areia. A próxima onda bateu no peito, lavou sua alma. Queria deitar, mas tinha medo. E se fosse arrastada? Mas precisava estar submersa. Precisava! Levantou, deu mais alguns passos e sentou novamente.
Observou a onda que se formava, majestosa, enorme e mortal. O medo tomou conta, quis desistir, mas não dava mais tempo, respirou fundo, prendeu a respiração e abaixou a cabeça. A onda explodiu sobre ela e sentiu que era arrastada, esticou os pés e enterrou os calcanhares na areia com tanta força que conseguiu frear. Quando a onda retrocedeu, viu que por pouco era definitivamente levada para o fundo.
Levantou e voltou para o onde as ondas lambiam suas pernas. Era mais prudente e seguro. Deitou e ficou assim um bom tempo, sentido como se fosse parte do mar, respirando no ritmos das ondas, sentindo a areia sob a pele, sentindo o sol que tostava o sal acumulado no corpo.
Quando cansou, levantou, procurou sua bolsa, estendeu a toalha e sentou. Ficou só olhando para ele de longe, apreciando sua beleza. E foi naquela hora que decidiu que aprenderia a nadar, e voltaria. Sim, voltaria o quanto pudesse. Havia sido criada para o azul, não para o verde!
Quando percebeu, já era hora de voltar para casa. Assim que se acomodou no assento do ônibus, dormiu. Enquanto seu corpo se afastava do azul e voltava para o verde, em seu sonho o azul engolia o verde e a arrastava para dentro, e ela se tornava uma só com ele. Para sempre.