PESCADOR JOSÉ
Tudo aconteceu em segundos: o solo se fendeu e parte do barranco desmoronou, levando consigo vara, mochila, cadeira, guarda-chuva, tudo foi parar no fundo do rio. Inclusive o pescador.
Dois minutos se passaram, José veio à tona. Inspirou, expirou com dificuldade e procurou agarrar o capim que sobrara na margem. Porém, com as mãos cheias de folhas, submergiu novamente.
Outra tentativa inútil. José não sabia nadar. Alguma água barrenta foi parar em seu estômago. Ele desapareceu.
Já sem fôlego, o pobre pescador emergiu pela terceira vez. Enquanto se debatia tentando manter a cabeça fora d'água, seus dedos tocaram na corrente com a medalhinha de Agnus Dei, que sempre levava no pescoço. Mentalmente ele implorou por socorro. Pensou ver o céu abrir uma nesga azul, deixando passar um pequeno raio de sol em meio às nuvens escuras. A vida nunca lhe parecera tão bela quanto naquele instante!
Um bando de periquitos quebrou o silêncio da mata e revoou em busca de abrigo. Sinal de chuva se aproximando, foi o último pensamento de José. Agora, quase desfalecido, ele abandonou a ideia de sobrevivência. As ideias restantes se livraram dele que, afinal, se entregou semi-inconsciente ao domínio da correnteza. Daí, o mundo tornou-se opaco. Ele sentia seu corpo resvalando em coisas sólidas, ao mesmo tempo que era tragado pelo rebojo. Em meio às pedras cresciam plantas cujas ramagens eram braços a lhe acenar e ele tinha a sensação de agarrá-los e seguir escalando, escorregar e se arrastar novamente. Até que, em dado momento, sentiu-se sair todo coberto de lama. E como todo pesadelo chega ao fim, José pôde, então, descansar em paz sobre a relva pontilhada de flores miúdas. Um bom lugar para morrer.
Mais tarde, quando chuvarada o despertou, o pescador não teve certeza se morrera, se vivia ou sonhava.
Ele sempre conta essa história...
Foto: zaira Belintani