Prelúdio

A lua já cortara o meio do céu, e ele não conseguiu dormir; olhava o teto reto e sufocante, não conseguia mais ficar ali; sentou-se. Ao lado, uma janela: lá fora havia uma noite. Da porta, com seus papéis translúcidos, viu passar um lento vulto alaranjado. Queria ficar só, para isso... lá fora, no momento só lhe apetecia a companhia do vazio noturno. A tristeza sentida era diferente da que se acostumara - invés de revestir a alma, a faz tremer. Vagava pelo chão plácido, de natura e raros galhos floridos, espelhos lunares refletores àquele rosto fino e acendido do branco-amarelado ao místico prateado; e ia de olhar baixo, com os lábios meio abertos numa forma de canto suspirante, quase um assobio mudo. Subiu uma colininha, um bom mirante, refúgio, envolto de uma infinidade de árvores escuras ao horizonte: lá no final da vista via algo como a vida, uma eternidade alcançada apenas por uma travessia - seja ela difícil, seja escura ou como for do que se espera dessa densidade. Suspirava, essas divagações não importavam, e pior: não sabia se queria livrar-se daquele incômodo ou descobrir suas razões. Invisíveis seres tocaram suas flautas de sons suaves e correntes: era o ar. Decidiu mirar o céu, então, um olho infindo e tão negro, mas margeado de um roxo, quase imperceptível, mas só visto por aqueles que se apaixonam - uma necessidade de ver a profundeza. Tudo isso era reflexo. O que via, então, todo esse tempo, senão o fundo do oceano? O universo além do céu? E o que, além do corpo? O mundo lhe dava dicas. Mas foi o destino quem deu a chave: ouvira a voz, um olhar sorridente, e também curioso, o jeito curvado de quem sempre se dispõe a ajudar, gentileza angelical. Era o momento de descobrir.

Rodrigo Hontojita
Enviado por Rodrigo Hontojita em 18/06/2022
Código do texto: T7540647
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