O COPO E O SANGUE
O menino, assustado e perplexo, olhava a cena inusitada como se estivesse participando de um filme de terror. Tremia, soluçava, tartamudeava e não saía do lugar onde se encontrava, a porta de uma mercearia e bar. Por que ele estava ali, como chegará àquele lugar sangrento? Não deveria estar na segurança de sua casa?
Momentaneamente perdido nas entranhas da memória devido ao que seus olhos viam naquele instante, o garoto não se lembrava que há pouco sua mãe o mandará comprar na mercearia, que também era bar, um copo de óleo de cozinha e duzentos gramas de açúcar preto, atividade usual em seu cotidiano visto estar o estabelecimento comercial na rua paralela à que ele morava.
Contudo, enquanto se deslocava para atender o pedido da mãe, ele não sabia do bate-boca acontecendo no mesmo instante entre dois papudinhos, ambos segurando copos contendo cachaça. No auge da discussão, acalorada quando um deles disse que a mulher do seu desafeto era bonita e gostosa, o injuriado arremessou o copo sobre o atrevido e o atingiu precisamente na fronte esquerda.
O jorro sanguinolento foi imediato, empapando o rosto e as roupas da vítima agoniada em dor e sob a gritaria do dono do comércio. O garoto, já nas proximidades, ainda ouviu o alarido da balbúrdia, mas nunca imaginou deparar com a cena dantesca diante de seus olhos esbugalhados de horror e medo: um homem magro literalmente coberto de sangue e se contorcendo de dor. Algo, infelizmente, perene nas memórias, lembrança pavorosa que o acompanharia a vida toda.