O HOMEM SOZINHO E A MULTIDÃO

O homem viu a multidão reunida em torno do camelô e ficou curioso, embora não fosse de seu feitio gostar de aglomeração, e usualmente passaria longe do ajuntamento. Meio desconfiado, pé ante pé, aproximou-se.

O camelô, esganiçado em suas palavras, apregoava as qualidades do produto que oferecia aos presentes enquanto a cobra enrolada em seu pescoço, serena porque habituada aquele cotidiano, dormitava depois de ser exibida antes da peroracao do seu dono para atrair as pessoas. Este, incansável, continuava explicando a composição do milagroso remédio que, na opinião dele, curava todos os males. Foi quando ele viu nosso personagem chegar de mansinho.

"Amigo", saudou ele, "veja a importância do nosso produto para curar umbigo grande, pústula, pano branco, sarna, tireóide inchada, impinge, dor nos joelhos, artrite, calos, pé de atleta, frieira, dor de cabeça, inchaço, tumor na cabeça, furúnculo e mil outros males que afetam o ser humano nos dias de hoje. Aproxime-se, por favor!"

O discreto sujeito, que odiava ser visto por muitos olhares e detestava atrair a atenção, ainda tentou dar meia volta, mas o camelô foi até ele e iniciou o seguinte diálogo:

- compre para sua mãe

- não tenho mãe

- compre para seu irmão

- não tenho irmão

- compre para seu primo

- não tenho primo

- compre para algum parente qualquer

- não tenho parentes

- compre para um amigo

- não tenho amigo

- Nossa, então o senhor mesmo é quem precisa desse remédio, compre para o senhor

- não preciso e não quero

Nesse momento, já aborrecido com aquela conversa besta, ele virou as costa às pressas e retirou-se do local enquanto o camelô falava e falava e falava tentando convence-lo, convicto de que alguém como aquele cara, sem ninguém, provavelmente sem amor e carinho também, realmente precisava usar o seu produto com urgência.....

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 01/06/2022
Reeditado em 01/06/2022
Código do texto: T7528423
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