Chamado
Eis que depois de tanto chamar pela morte nos últimos dezesseis anos o rapaz alcançou sua meta de vida.
Enquanto sorvia o café sentado na padaria da esquina em que trabalhava como técnico de suporte em TI, alçou voo dali para revisitar seu passado e suas dores que tanto o envergonhavam. Eram nessas retrospectivas que o corpo parava no tempo e tal qual uma caixinha de música, o peito se abria e o coração começava a valsar sobre as superfícies que estavam próximas, a cada memória recuperada a bomba cárnea tremelicava de forma tão aguda que parecia como se dores fantasmas lhe atravessassem. Consciente dentro do próprio transe, o jovem começou sua oração para o anjo do fim, desejado tanto pelo sagrado quanto o profano que ascendesse aos cosmos.
Durante dezesseis anos em que repetia assiduamente o ritual nunca ouvira um fonema sequer em resposta, qual não foi a surpresa e o susto quando seus ouvidos beberam das palavras graves "Que assim seja, amém". Um forte estampido o jogou com tanta força que caiu para trás, fora inexplicavelmente retirado com tanta violência da ilusão que ele mesmo criou que lhe faltou o fôlego nos pulmões, de sua face desbotaram todas as cores outrora vivas, a boca secou e a garganta imitando a forca meteu-se num nó cego impossível de sequer pronunciar a dor que queimava-lhe o peito.
Lentamente sentiu a força esvair seu corpo e uma estranha sonolência lhe dominar, estranhava o calor úmido que tomava conta de seu corpo à medida que o sangue lhe banhava numa grande poça. Uma multidão lhe cercava e tal visão lhe angustiou por uma última vez antes de morrer.