DELÍRIOS DE UMA NOITE DE VERÃO 
 

O silêncio na Casa Cinza estava a um passo de ser rompido. Malena Cardos acordou sobressaltada com os gritos do marido. A mulher sacudiu os ombros do presidente da Absurdia, que abriu os olhos e sentou-se na cama. Por um momento, Ary Cardos parecia não saber onde estava. A primeira-dama perguntou:

— Outra vez aquele pesadelo?

Depois que Ary Cardos sonhara com o seu passaporte para a reeleição, a mirabolante fórmula da saúde perfeita, um pesadelo recorrente o perseguia. Os absurdianos bebiam o tal elixir e viravam ferrenhos opositores do governo. O presidente lamentou:

— O pesadelo é um sinal. Não confio mais no elixir. 

A mulher saiu da cama e começou a andar em círculos enquanto falava:

— Esqueça o elixir. Chegou a hora do grande salto. O laboratório do serviço secreto conseguiu desenvolver a substância capaz de bloquear a capacidade crítica das pessoas. Basta colocar a droga nos reservatórios da Absurdia. O povo vai beber a água e te seguir, sem questionar coisa alguma. Você será a fonte da verdade. A única fonte.

O presidente ouvia a esposa sem esboçar qualquer reação. Malena voltou para a cama e, acariciando o rosto do marido, disse:

— Tudo seria mais simples se você desse um golpe, mas a democracia virou o fetiche da Casa Cinza.

Ary Cardos inclinou a cabeça para trás soltando uma sonora gargalhada. No entanto, logo em seguida, fechou o semblante.

— Se todos vão me seguir, você será a primeira a beber a água.



 
(*) IMAGEM: PETER SELLERS E CAPUCINE

"A PANTERA COR DE ROSA"

DIREÇÃO: BLAKE EDWARDS


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NOTA DA AUTORA: 
 
ENCERRO AQUI MINHA PRIMEIRA SÉRIE DE CONTOS POLÍTICOS. SE VOCÊ CURTIU, LEIA TAMBÉM OS OUTROS:
 
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Dolce Vita
Enviado por Dolce Vita em 14/10/2021
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