O grilo
O perfume de madressilva já se fazia sentir… As primeiras estrelas já crivavam o céu limpo daquele janeiro.
A fina cortina da sala permanecia imóvel, parada como um velame na calmaria. O silêncio era praticamente absoluto, dentro daquele verão excepcionalmente quente. A luz amarelada do poste da esquina estava coroada por um enxame de mariposas embriagadas. Única coisa móvel lá fora. De quando em quando um clarão entre nuvens prenunciava a chuva tão aguardada.
O velho e solitário homem apanhou um copázio e preencheu o seu vazio com uma cerveja terrivelmente gelada. Abriu novamente o livro, colocou os óculos e continuou a leitura. A intenção era de encontrar o sono e ler, talvez o encontrasse em alguma página, em algum capítulo.
Já era de madrugada quando junto a um vaso com samambaias de metro que ficava na sala rompeu o cricrilar constante de um grilo.
Parecendo um disco quebrado cortou o silêncio que reinava.
O velho e solitário homem irritou-se. Retirou os óculos, fechou o livro e tentou inutilmente espantar o pequeno inseto. Inconformado permaneceu estático por um bom tempo. Talvez, o cantar repetido do grilo tenha funcionado como uma espécie de hipnose sonora, pois o velho homem na poltrona onde estava, deixou cair os óculos e tombando a cabeça para o lado, dormiu como uma pedra e roncava como a trovoada lá fora.
Conto de JAL. mai de 2021