Cena pluvial

Não havia mais certo sinal de bom inverno do que os baixios cheios, o mato crescido, a chuva que adentrava a noite,  mansa e constante. A parede da cozinha salpicava-se de insetos,  de formigas que criavam asas e partiam para o mundo sem fim. No chão do terreiro, batido pela chuva,  multiplicavam-se os sapos, brotando de todas as partes, pulando o batente, fartando-se com os besouros. Entoavam na calada da noite a velha canção ancestral dos cururus, prenúncio de fartura, do feijão garantido, do caixão de farinha cheio. Descalços, os meninos brincavam, catando os sapos com as mãos, em latas de querosene, e atolando os pés comidos de frieiras nas poças. Um grito da cozinha veio despertar os meninos do sonho anfíbio: a janta estava pronta. Ao redor da lamparina, os pequenos esperavam o bocado sagrado,  enquanto a mulher amassava com os dedos a mistura de farinha e feijão verde, agradecida pela fartura.

Miss Araújo
Enviado por Miss Araújo em 30/04/2021
Código do texto: T7245305
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.