Bois que choram
Espremido entre os outros, o boi morrera enforcado. A corda que trazia ao pescoço, num abraço fatal, enganchada nas tábuas da carroceria, selou-lhe o destino.
É preciso aproveitar a carne!, gritou o dono da boiada. Sem demora, conseguiu uma faca com um morador. Num rápido golpe, sangrou o pescoço do animal, que jazia escangotado na carroceria. Borbotões de sangue escorreram entre as tábuas, formando poças vermelhas, de líquido viscoso, naquele chão de barro pálido. O que o chão não chupou, o sol secou. Da poça vermelha, no dia seguinte, restava uma mancha enegrecida, petrificada, que pouco lembrava o sacrifício da véspera.
Pela mesma estrada, Seu Manduca, velho octogenário, tangia seu rebanho todos os dias, do curral para o pasto. O cheiro de mato fresco e o tilintar dos chocalhos antecipavam a aproximação dos bois, que não eram muitos. O boi de couro avermelhado, dilatando as ventas, estancou a marcha. Um urro medonho seguiu-se à cena, que levou as mãos de Seu Manduca à testa para o sinal da santa cruz. Prostrando-se ao chão, com as patas dianteiras dobradas, o bicho cheirava o chão maculado e parecia reconhecer ali o próprio sangue. Outros urros sentidos ecoaram na erma estrada, enquanto as últimas luzes do dia douravam o capinzal.