ÊXTASE E AGONIA.

Carlos estava exausto, dia cansativo, as coisas não aconteceram como ele gostaria que fosse, aliás, nos últimos meses, mudanças importantes na gerência do setor onde trabalhava deixou todos com os nervos à flor da pele. Quando pensavam que as novas diretrizes trariam ares diferentes, veio a frustração, os mesmos erros, as mesmas falhas cometidas na gestão anterior. O ciclo vicioso do erro continuava.

No ponto de ônibus, Carlos refletia nos últimos acontecimentos, não era somente as turbulências no trabalho, havia também as tempestades na vida pessoal. Amizade de anos com Joana, colega de trabalho, que sem uma explicação lógica, afinal - não existe lógica no amor - aquela amizade transformou-se no mais sublime e perigoso dos sentimentos. As conversas diárias no refeitório da empresa durante o intervalo do almoço, palavras que tomavam rumos diferentes, não era para ser daquele jeito, a sua razão dizia que não, porém, o coração fez tudo convergir para o caos que é amar. Ele, casado, ela também, nos olhos dele, o mesmo sentimento de desejo, pecado, agonia, êxtase, medo e euforia que também refletia nos dela.

Mais uma tarde, mais um dia de trabalho, faltava as palavras certas nas trocas de olhares… Carlos queria os lábios de Joana, o cheiro dela, o toque ardente, a pele em chamas, 'talvez um sim', 'talvez um não', 'o que seria se o convite fosse feito', pensava ele. Ao mesmo tempo que o desejo queimava no coração, a sua covardia incinerava a sua alma. Dias e noites, pensamentos intensos, sonhos, a mensagem apagada no celular. O desespero de não fazer nada quando se quer tudo, a agonia de disfarçar para inocente esposa os seus gritos de amor alheio. Havia momentos em sua solidão em que ele se colocava todo decidido, faria isso, falaria aquilo, custasse o que custasse. Mas, bastava o perfume de Joana, a presença, o olhar feiticeiro para roubar-lhe toda audácia, e novamente Carlos, como em todos os outros dias, era apenas sorrisos, desejos e medos. O amor estava ali, do lado de fora, como uma paisagem que se vislumbra da janela do veículo sem nunca poder tocar.

Carlos estava exausto, entrou no ônibus, procurou inutilmente lugar para sentar-se. De pé, equilibrava todo o seu cansaço. O ônibus saiu devagar, trânsito carregado, do lado de fora, na calçada, Joana acenava para ele, que, sem jeito, retribuiu o aceno. Era a face do amor dando adeus ao desespero. Só mais um dia, mais uma palavra e tudo estaria consumado. Enquanto o coração gritava pela danação do pecado, sua alma revelava-se covarde demais para fazê-lo.

Tiago Macedo Pena
Enviado por Tiago Macedo Pena em 19/02/2021
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