Como encantar
" Escreva a mais linda declaração de amor. Preciso satisfazer aquela mulher."
" Mas, eu não posso, não consigo pensar em nada. "
" Você não é escritor, seu maldito? Escreva palavras lisonjeiras para aquela mulher ou terei que matá-lo. "
" Entendi, vou tentar: "
" Bela como o céu..."
" Muito clichê! "
" Bela como um exército angelical... "
" Ridículo, eu e ela somos ateus. "
" Eu te amo porque, porque... "
" Chega, é inútil. Você é péssimo com as palavras e qualquer texto é indigno da magnitude da minha adorada. De todo modo, somos dois incapazes. "
" Você é muito impaciente e inseguro. Por que não diz para ela o que sente sem se importar com a forma? Desculpe, eu me esqueci que você está armado! "
" Você está certo, pequeno poeta canhestro. Direi as palavras mais simples, mas ela entenderá a grandeza do meu sentimento. Continue aí acorrentado, que voltarei em breve com o resultado da minha investida.
" Então?! "
" Como pode ver pela derrota estampada no meu semblante, fui um fracasso. Eu disse " eu te amo" e ela disse que estava cansada de frases feitas. Ela sonha com um companheiro capaz de se expressar de forma comparável aos mais sublimes poetas. Pois, então, aceite meu caro cativo que você , além de poeta incompetente, é um péssimo conselheiro sentimental. E eu , com minha mente convencional, jamais terei a amada da minha alma. Está é a dura realidade que teremos que enfrentar. "
" Mas é isto que eu queria dizer: um texto , à altura de uma exigente destinatária, não nasce assim de uma hora para outra. É preciso pelejar: escrever, reescrever, cortar, acrescentar, trocar ideias. Podemos trabalhar juntos. Se você me libertasse, eu poderia ir a minha casa e consultar uns livros inspiradores. "
" Vou libertá-lo, mas que esteja amanhã aqui para construirmos a mais linda declaração de amor para a mais linda dama. "
" Aquele maldito escriba me enganou. Não posso mais esperá-lo, vou ter que buscar a mais excelsa expressividade linguística dentro de mim mesmo. Não cairá do céu, preciso de lápis, papel, perder o medo do ridículo, liberar o fluxo de ideias e depois tentar organizar tudo..."