NOS TEMPOS DE CÓLERA
Eu a odiava, ela ficou com o cargo que era para ser meu - preparei-me por anos, ela vem, encanta a todos. Eu a odiava. Por mais que lutasse eles gostavam dela, era doce, gentil e capaz.
Eu a odiava.
Os dias passavam e mais desejava vê-la longe; o ódio e a inveja machucam, sinto - não estou bem. Meu corpo todo doí, ir trabalhar tornou-se um martírio. Que sentimento é esse que me faz agir assim? Eu a quero longe, infeliz, morta.
Coloco meu plano em prática, observo, um boato aqui, uma intriga ali. Ela confia em mim, uso isso a meu favor. Em alguns meses ela é despedida. Eu estou livre. Não mais sentir o perfume que ela deixava no ar a cada vez que entrava em minha sala. O seu ‘bom dia’ sempre seguido de um sorriso. Afinal, eu a odiava.
Passam-se os dias, percebo estar sendo observado, não olho. O temor cresce a cada manhã, estou exausto, assustado. Apesar do medo não vou mais fugir- Eu o encaro.
Meu corpo congela, não sei o que dizer, um homem de estatura pequena, nos olhos um vazio profundo e negro. A pele enrugada, seca, ele me olha e sinto seu ódio. Tenta gritar mas sua boca só exala escuridão. Nunca vi criatura mais apavorante.
Naquela manhã quebro todos os espelhos da minha casa; pronto- não o vejo.
Mas sinto, ele ainda está aqui...
Conto breve do livro RETALHOS DE BOLSO - no prelo.