Não olhe para trás, Sebastião.
...
Sebastião, com os olhos vendados, apenas ouvia algo se arrastando no mesmo cômodo em que estava deitado, amarrado e mudo. A bochecha direita encostada no chão pegajoso, imundo, fedido. Não sabia por quanto tempo estava ali. A julgar pelas calças molhadas e o cheiro de urina, devia estar apagado há muitas horas. O pior era não saber se o barulho vinha de um animal, monstro, diabo ou máquina.
Ele não sabia nada, não se lembrava de nada, nada lhe passava pela mente para lhe dar um sinal, mínimo que fosse, de onde estava.
Ao sentir uma mão encostando em sua cabeça, tentou gritar, mas a mordaça, firmemente presa e quase rasgando sua boca, o impediu. Sentiu os dedos daquilo passearem por seu rosto, tateando, reconhecendo, buscando. Quando sua venda foi retirada, uma porta se abriu violentamente às suas costas:
- Sebastião, nem pense em olhar para trás - ouviu o grito.
Antes de voltar à escuridão da cegueira forçada, num relance de olhos, notou que não havia mais ninguém a seu lado. Nenhuma mão, nada.
Da mesma maneira que a porta foi escancarada, fechou-se com estrondo.
"Quem me ajudou?", ele pensava.
Então foi virado para cima e suas costas encontraram o piso. Imobilizado como estava, nenhum reação era cabível.
Outra vez a mão gélida lhe retirou a venda. Outra vez não viu ninguém. A porta gemeu em sua dobradiça com a violência do chute que a empurrou.
- Não olhe para a frente, Sebastião - gritou-lhe a mesma pessoa de antes.
Sebastião fechou os olhos por impulso e medo. Sebastião chorava. Sebastião estava morto.