Do Que Machos São Feitos
Neve. Homens primitivos de casacos de pele correm com paus e pedras atrás de uma alcateia de lobos brancos. O sangue quente impede-os de sentir o frio intenso. A organização dos grupos é bem parecida, o macho-alfa na frente, os outros machos atrás, depois as fêmeas e as crianças. As humanas rindo, achando a brincadeira divertida, as caninas apavoradas.
Os humanos param. Um lobo ficou para trás e os está encarando ferozmente. Os dentes afiados à mostra, os olhos azuis brilhando, o coração batendo forte. Com uma clava, o líder dos homens faz um sinal para que os outros fiquem atrás, enquanto se aproxima devagar. Não é o maior e mais forte, mas certamente é o mais esperto, inteligência essa que salvou o grupo várias vezes e fez com que ele ganhasse o respeito de líder natural.
A inteligência cria curiosidade e a curiosidade cria perguntas. Por que esse ficou para trás? Parece grande e forte. Está machucado? Caiu? Por que os outros o abandonaram? É macho ou fêmea? É muito grande, é um macho. Mais do que isso, é o macho-alfa. Faz sentido: o líder ficou para trás para enfrentar sozinho dezenas de adversários. O homem deveria ficar furioso, já que a estratégia do lobo deu certo; os segundos perdidos foram mais do que suficientes para o resto da alcateia se afastar demais. Mas ele não sente raiva, e sim fascínio.
O lobo nota que o adversário tem olhos azuis, coisa rara entre os filhos de Adão, mas é óbvio que, para o cão, a cor dos olhos do inimigo não faz nenhuma diferença. Para o homem sim. Os olhos do lobo são incrivelmente belos. Ele não é também o mais forte entre seus pares, mas é o mais inteligente, o que livrou a alcateia de muitos perigos anteriores. Deste ele provavelmente não sobreviverá, mas isso não importa. Sacrifício: é disso que machos são feitos.
Latidos agudos - lobos latem raramente, mas latem, especialmente quando filhotes; provavelmente os cães modernos latem mais porque, conosco, eles se tornaram eternas crianças. Um lobinho vem correndo por trás do maior e se enrosca em suas pernas. O homem para de se aproximar. O adversário parece ainda mais selvagem agora, começa a rosnar. Ele não teria medo algum de arriscar a própria vida, mas agora precisa pensar em como salvar seu filho.
Uma criança rechonchuda se afasta de seus pares. O humano-alfa tenta segurá-la, mas ela passa por ele rápido demais. É seu unigênito. Arregala os olhos, faz menção de correr para pegá-lo, mas... O lobinho vai ao seu encontro. Eles brincam, sob a vista de seus pais confusos. O garoto gargalha. O homem se aproxima em passos curtos, bípede e quadrúpede ficam a cinco metros dos filhotes, ora olhando para os pequenos, ora para seu inimigo.
O homem solta a clava, o cão esconde os dentes. O garoto e o lobinho rolam na neve. Os humanos mais atrás riem também. Outras crianças querem se aproximar, mas os pais não deixam. Uma consegue se desvencilhar dos braços peludos da mãe, depois outra, e outra. Elas agarram o lobo maior, acariciam-no, sentem seu pelo macio. Ele fica desconcertado no começo, mas acaba gostando. O homem-alfa ri também. Machos não são feitos de pedra.