Dois Pedros

Pedro era uma criança exemplar. Estudava muito, era educado com os colegas e com os mais velhos, inteligente, calmo, agradecia a Deus todos os dias pela enorme dádiva da vida e por ser um menino de bem.

Pedro só não era perfeito porque não existia. Era um fantasma na mente de uma autora de livros infantis exemplares. Essa assombração foi escrita, ilustrada, impressa, comprada por pais e bibliotecas de escolas.

A história de Pedro era lida pelo professor para as crianças. Não acontecia nada, mas era tudo tão limpinho e as ilustrações tinham um colorido tão bonito. Ademais, a personagem da criança transmitia bons valores e contribuía para uma formação saudável das novas gerações.

Enquanto isso, um Pedro real perdia o fio condutor da história.Pensava no pai preso e nos tiroteios, a sinfonia satânica da comunidade. Viu as imagens tão belas no livro e pensou no lixão, no esgoto a céu aberto, nas ruas esburacadas e nos barracos inabitáveis habitados por famílias numerosas. A história do Pedro real tinha sangue, sujeira, pranto, fome, desesperança, pesadelos e um sonho.

O Pedro real sonhou escrever sua própria história. Contou ao professor, mas o mestre disse que ele deveria se concentrar mais nos estudos e buscar uma Igreja para adquirir solidez de valores.

Pedro quer ignorar o professor, atitude bem acertada. E nas asas sonoras do rap conseguirá escrever uma história real de luta por justiça e verdadeira paz se uma bala perdida não o achar antes.