A menina das pernas atadas
Era uma menina muito pobre. Contam que nasceu de pé e que a sua mãe quase morreu para que ela ganhasse vida. O seu pai, praticamente não a conheceu, já que saiu de casa quando ela tinha apenas alguns dias. A mãe era lavadeira e arrecadava apenas alguns trocados para que pudessem amargamente sobreviver. Dizem que era uma criança muito magra e comprida. De tal forma, que dava a impressão de ter as pernas ligeiramente tortas. Por isso, a sua mãe meteu na cabeça que seria necessário atar ambas as pernas com uma corda para que pudessem endireitar. E assim fez. A filha, padeceu por um longo tempo de pernas atadas e quase imóveis. Fez-se grande e precocemente aprendeu a ler. Era tão dotada que ensinava as outras crianças que viviam próximo. Cedo manifestou tendência para usar a mão esquerda. A mãe, envergonhada e preocupada com aquilo que os outros podiam pensar, tratou logo de a contrariar desde muito nova. Repreendeu-a a obrigou-a a usar sempre a mão direita, para que fosse igual às outras crianças. Assim, essa criança foi podada e cruelmente inibida de desenvolver muitas das suas aptidões naturais. De tal forma que, até hoje, sente alguns problemas motores e de desenvolvimento que certamente foram provocados por essa conduta. Essa menina, hoje mulher, ainda vive com a mãe. A relação de ambas é de estreita dependência e estranhamente pautada por um conformismo muitas vezes irreal e sublimado, possivelmente baseado na vida difícil e atribulada que tiveram de superar sozinhas. Os laços são profundos e duradouros, mas a essência desses dois seres ficou lá atrás parada, amordaçada e presa às agruras de um passado triste, nebuloso e sem volta.