O TORTO

Sempre fui torto. Na infância parecia querubim, parecia! Na adolescência melhorei, alguns tinham-me até por santo, exagero. Foi quando a jaboti Margarida veio para casa. Gatos, cães e eu não gostamos, era um bicho estranho. A cadela Pelúcia e o pequinês Mickey cheiraram o que seria o fiofó dela e se incomodaram, não cheguei a tanto. A simpatia pelo bicho começou no dia em que mordeu o dedo de minha irmã; durou pouco, foi passada para diante, afinal, machucou a princesa.

Vivíamos em pé de guerra: Irmã e eu; o do meio e eu; minha irmã contra o caçula. Éramos quatro com amplas divergências e coalizões. Por isso, numa ceia de Natal,quando o advogado amigo de Papai elogiou a união de nossa família, quis contestar, mas Papai mandou-me calar a boca.

Éramos pobres, cada um tinha um único cobertor num quarto frio e comum aos quatro. Certa madrugada de 1978 a temperatura atingiu 1° C, acordei tremendo e ouvi minha irmã gemer, estava enregelada. Imediatamente acendi a luz, juntei as camas, coloquei a irmã junto do Carlos, juntei os cobertores, a troca de calor a aqueceu, deixou de tiritar.

Trouxe para minha cama o caçula, dormimos juntos e , então, sonhei, um homem de uns trinta e poucos anos sorria-me dizendo:"Queridas árvores tortas de minha floresta!" Este mesmo sorriso vi no rostinho de meu irmão quando acordou de meu lado naquela distante manhã fria.

Camilo Jose de Lima Cabral
Enviado por Camilo Jose de Lima Cabral em 17/07/2020
Reeditado em 17/07/2020
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