O desafio da folha em branco

Preocupado, caneta em mãos, ele ia percebendo que com 5 ou 6 retas não era fácil fazer um castelo. Mais ainda: que poesias rimando amor, flor e calor só valiam para a professora da quarta série.

E então a folha crescia, branca e exigente, vazia e perturbadora.

Um homem-palito. Uns garranchos médicos. Um rascunho. Um esboço. Qualquer substantivo. Qualquer risco, na verdade, serviria, aliviaria, daria uma impressão. Mas nada vinha.

O primeiro traço era difícil, a primeira letra rareava. E depois só piorava, que aí tinha de ter um plano, uma intenção, uma meta, um objetivo. Um lugar aonde o traço fosse chegar. Mas e chegar aonde? Ele, caneta inútil nas mãos, não sabia.

E nada, nada vinha. A folha em branco grande, enorme, na expectativa.

Se ele fumasse, em ansiedade fumaria. Se ele bebesse, insaciável beberia. Se ele amasse, eternidades prometeria. Valia tentar qualquer excesso como um atalho à inspiração. Mas ele era duro, era seco. E nada vinha, nada se escrevia.

Folha em branco, ele em branco, tudo em branco: frente e verso, passado, presente e futuro.

E ele tinha tantas canetas de tantas cores. E também aqueles lápis robustos. E a elegante, metálica e mecânica lapiseira de grafite fino. Várias ferramentas, várias possibilidades, diferentes meios. E de nada serviam pois nada vinha.

Assustado, ele ficou lá encarando a folha em branco, sendo devorado pela folha em branco, a vista ardendo na alvura de uma calçada branca ao sol do meio-dia.

Meio à toa, outro tanto por raiva, ele gritou um xingamento e forçou um risco no canto da folha. Sem quê nem por que, somente um risco. E fundo, e intenso, e extravasado. E o risco não dizia nada; para que veio, para aonde iria, o que seria. Era um início sem fim, um fim sem início, um meio sem propósito.

Ainda assim, ele notou algo no risco. Algo escondido entre a tinta e o desespero, e expresso na forma com que se sulcava a folha. Havia uma loucura ali, uma insanidade, algo rebelde, mas azul e leve como acordar depois de um longo sono.

Ele percebeu, em sorriso e em calma, o que era o risco. E o que era a folha. E, principalmente, tudo o que estava contido naquele grande branco vazio.

Ele, caneta em mãos, começará logo a escrever, teve certeza; e então, compulsivamente, uma folha só não será o bastante.