O MINI CIRCO DOS GRANDES SENTIMENTOS
ALEGRIA
04:00hs. O motivo da sua alegria estava prestes a chegar. Enquanto fazia seus 30 minutos de bicicleta conversava a custo com o outro instrutor. Um salva vidas de meia idade, igual a ele, gente boníssima. Mas por melhor que fosse a troca de idéias, nada fazia com que esquecesse sua chegada iminente. De repente ela entrou. Morena jambo, rosto juvenil, sorriso perfeito que o aparelho deixava ainda mais lindo, alta, seios enormes e o resto do corpo de uma perfeição quase ofensiva. O cumprimentou alegre e brincalhona como sempre. Lhe deu toda a atenção e riu de suas piadas também como sempre. Viu com tristeza o horário da natação chegar. No vestiário, nu, deu uma longa olhada no espelho. Prestou atenção nas rugas dos cantos dos olhos; na barriga que estava bem menor do que já fora, mas que nunca o abandonaria por completo; no membro que nunca fora lá essas coisas, mas que parecia estar encolhendo com os anos; coçou a aliança e pensou no filho de dez anos a quem entregaria os óculos de natação após seu treino para que ele realizasse o seu: "Oi tio babão!"
Mudou seus horários, nunca mais a viu. Mas mesmo depois de anos ainda a homenageia durante o banho. Depois, quando se olha no espelho fazendo a barba, invariavelmente diz: "Tio babão enrustido!"
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Como sempre se sentou no último banco da igreja. Após o culto não se levantou rapidamente como era seu costume, mas se deixou ficar parado vendo sua família. Sua esposa conversava animadamente com um grupo de irmãs, a filha adolescente ajudava outras a varrer os corredores, em um papo animadíssimo. O filho ouvia atentamente uma brincadeira ou explicação que o pastor lhe dava. Tudo tão diferente...
Há apenas um ano sua filha e sua companheira se recusavam obstinadamente a ouvir qualquer coisa que se relacionasse com religião. O clima era tão tenso que seu pai, que já havia sido preso duas vezes, lhe disse que nunca ouvira baixarias iguais a que a sua mulher falava. Em um impulso se levantou, foi até o estacionamento e se sentou atrás do seu carro. Sentiu sua face se molhar. Que diferente, pensou, nunca havia chorado de alegria antes...
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As visitas ao amigo eram sempre difíceis. Paralisado numa cama, dependente para quase todas as pequenas tarefas da vida. Mesmo assim procurava manter uma rotina nelas. No mínimo uma vez ao mês. Era assim há três anos, desde o acidente de carro. Dera uma carona para ele até a cidade vizinha e foram abalroados por uma enorme carreta. Diferente dele saiu apenas com a perna quebrada. Invariavelmente depois destes encontros ia até o bar e se dava ao direito de um bom porre. A grande maioria da minúscula cidade achava que tudo isso era reflexo da culpa que sentia. Não estavam errados, mas também não estavam certos. A culpa era pela alegria que sentia por não ter sido ele...
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AMOR
Isso não é amor. É uma paixão que só vai destruir minha vida. Só o fato dela não sair da minha cabeça já é sinal para parar. Depois ela encana de querer tomar o lugar da minha mulher e lá se vai o convívio com meus filhos, minha casa que eu construí com tanto esforço. Todos estes pensamentos o tomavam de assalto enquanto trabalhava. Seu setor estava em reforma, estava então emprestado a UTI. Sem costume nessa área, fazia serviço sobre demanda: Faz isso, troca aquele paciente, dá banho naquele outro. Tudo automático. Até que com a consciência nas nuvens de suas preocupações fez uma medicação errada, possivelmente fatal. SENHOR, O QUE EU FIZ!! Fez outra medicação não prescrita escondido dos colegas para tentar evitar uma tragédia e começou a negociar com Deus: Senhor, isso vai me custar tudo!!! Meu emprego, meu registro profissional, o sustento dos meus filhos, tudo!! Fora o fato dessa vida na minha consciência, Senhor! Meu Pai, se me livrar dessa eu prometo ser outra pessoa! Prometo parar de beber, de fumar, de ver filme pornô! Prometo voltar a ir na igreja, Senhor! Pai, se o Senhor me livrar dessa eu prometo nunca mais, eu prometo nunca mais, nunca mais... Conheceu um novo grau de desespero, o ar lhe faltava nos pulmões, o coração tentava sair à força do peito. Mesmo diante da perda de tudo não era capaz de prometer não mais vê-la!! Era incapaz até de mentir sinceramente para Deus de que iria fazê-lo, como já fizera tantas vezes, só pelo vislumbre de que talvez o Onipotente realizasse a sua promessa por ele. Sentiu o chão se abrir. Seus olhos grudaram no monitor esperando a linha do ECG se tornar uma reta. O tempo pareceu parar e nunca uma noite foi tão longa.
Amanheceu, o paciente sobreviveu, ninguém percebeu a besteira que fizera. Após bater o ponto caminhava como um zumbi para fora do hospital. Na inabalável e inquestionável certeza de que estava perdido...
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Saíram cedo de trem até o serviço dela. Precisava passar em perícia por conta de um burn out dela no trabalho, seguido de crises de panico. Em resumo, surtou. Ele a acompanhou até a medicina do trabalho da universidade e depois até o hospital para que ela pudesse conversar com sua chefe. Durante todo tempo ela se agarrava à ele como a um bote salva vidas. Mesmo ela querendo ir embora o mais cedo possível a convenceu a almoçar por lá pois já estava tarde. Encontrou dois colegas da época de faculdade e ficou feliz em vê-los e conversar com eles. Só em casa percebeu que não se lembrou das amantes de outrora, nem fora invadido por aquela nostalgia doída que quase sempre tinha ao lembrar do seu tempo de estudante, e, de forma fascinante, nem lhe passou pela cabeça se esconder dos antigos colegas com medo de se sentir inferiorizado pelo sucesso profissional deles. Olhou para a mulher que dormia ao seu lado, agarrada ao filho de 7 anos. Aos 44 anos, bestificado, descobriu o que era o amor.
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A discussão entre pai e filha estava se tornando cada vez mais violenta. A mãe, também furiosa com o marido que mais uma vez as deixara na mão por conta de seus vícios, começou a achar que a coisa estava saindo do controle e passou de uma atitude incriminatória para outra expectante, quase consoladora. Ela proferia sentenças acusatórias cada vez mais pesadas até que ele deu um berro:
"CHEGA!!! Agora você vai me ouvir! E vai ficar calada até eu terminar! Eu juro mocinha, que se você me der as costas e sair batendo porta igual adolescente gosta de fazer, já deixa o telefone do conselho tutelar em discagem rápida por que eu vou te moer. Eu nunca pus a mão em você, mas eu juro que faço isso! Na sua idade é fácil julgar. É sopa no mel se sentir superior aos outros como se os seus padrões e práticas fossem incrivelmente acima da dos outros. Eu sei! Eu já fui jovem. A diferença é que meu pai estava saindo pela segunda vez da cadeia. E olha que não me interessava o que ele tinha feito ou que vivia chapado. Era o meu pai e eu o amava. Quem sustentava a casa era meu avô e um dia, na mesmíssima idade que você está agora, eu surtei como você está surtando e, com ele derrubado no quarto, falei um monte para seu bisavô. De que ele era um merda, de que não tinha jeito, de que nunca ia mudar, que a gente tinha que ir embora e deixá-lo morrer com seus problemas. Igualzinho você, sem tirar nem pôr. Sabe o quê ele me disse? Você sabe o que é amor, meu querido? Eu te amo, mas ele é meu filho! Ele é doente. Como você pode pedir para que eu o abandone? Sabe o que eu fiz depois disso? Eu me preparei e EU, eu saí! Só que há dois anos atrás eu fui pedir perdão para o seu avô. De tudo o que eu tinha lhe falado, ofendido, magoado. De como agora, pai e viciado, eu entendia o quanto ele se esforçou e do quanto ele fez o melhor que pôde. Então revoltadinha, se eu sou o motivo dos seus traumas, se esforça e vai embora! Quando for mais velha, você volta e me diz como é que foi.