Presa no tempo
Ela descobriu que poderia ficar lá o dia todo, talvez hipnotizada, sentada em seu quarto, sem nem se mexer.
Apenas ficaria lá e olharia os segundos cavando pacientemente a parede do tempo: iam fundo, loucos por varar aquela parede. E quanto mais fundo iam, maior era aquela sujeirada no chão, uma mistura estonteante de minutos, horas e arrependimentos.
Ela sentia que não poderia limpar nada daquilo.
Mas ela poderia, sim, ficar lá o dia todo, ela e suas unhas roídas, e o seu café frio, e a sua caneta azul mastigada na tampa, e o seu grande caderno de planos feito de páginas totalmente em branco. Ela e seus despertadores, seus prazos, suas horas disso-e-daquilo, uma vida toda de sucessivas datas de validade expiradas. Ela e sua respiração rápida marcada em tic e tac e tic e tac e tic e tac...
Mas ela viu o intervalo apertado, pequeno assim, entre um tic e um tac. E que o espaço era grande o suficiente para caber ali um horizonte, mesmo que improvável.
Foi quando se levantou, se esticou, fechou o caderno virgem, deixou rolar pelo colo a caneta surrada. Jogou o café na pia e encarou bem as unhas que já pareciam crescer.
Olhou o buraco na parede do tempo e toda a sujeirada em volta. Não parecia grande coisa depois que varreu tudo.
Quando se fez o próximo tic, a porta do quarto foi aberta; o tac veio e só encontrou o vazio. Ela havia partido, enfiada entre um segundo e outro, decidida pelo infinito.