SINAL VERMELHO.
É manhã, sol ameno, pouco vento, a Edward Fru-Fru está movimentada. Algumas pessoas apressadas, veículos parados em um congestionamento enorme, é apenas mais um dia eufórico na cidade de Sorocaba. Bernadete está quase a correr pela calçada, apressada em chegar na escola de cursos profissionalizantes. Seus pensamentos tumultuosos perambulam pela cabeça enquanto ela caminha a passos largos, vastas emoções e pensamentos imperfeitos.
Os dias são de trevas, de violência presente em todos os lugares e assaltos a luz do dia. De cara limpa e peito aberto os bandidos estão cada vez mais ousados, assaltam em ponto de ônibus, supermercados, em todos os lugares, machucam as pessoas, matam sem piedade. Por esse motivo Bernadete desceu no ponto mais próximo possível da escola, 'QualiMoura Cursos', na maioria das vezes em que ela vai de ônibus não leva a carteira e nem o celular, um justificado excesso de prudência, tendo em vista que o seu destino fica há pouco mais de cem metros do ponto de ônibus. Bernadete vai a passos largos…
Não demora e chega ao seu destino. A escola está vazia, são sete e meia da manhã, ela é uma das primeiras alunas a chegar. Está cursando gestão da qualidade total, um bom curso, uma junção de outros quatro; metrologia, qualidade, desenho mecânico, auditor ISO. Exigências da maioria das empresas da cidade.
Verdade seja dita, embora a escolha seja boa, Bernadete não simpatizou com o curso, mas… Desempregada (ou melhor), disponível no mercado, não está na posição de fazer escolhas, por isso ela busca as mais variadas opções possíveis, e é claro, atirar para tudo que é lado faz parte da sua estratégia.
Os demais alunos começam a chegar, passos curtos, preguiçosos, a maioria cabisbaixa, indiferentes. Aglomeram-se próximos a secretária, eles permanecem cabisbaixos, silenciosos. De repente, ativam-se, distraem-se com os seus celulares nas mãos e fones nos ouvidos. São poucos os que se dispõe a trocar algumas poucas palavras com Bernadete, um e outro que perguntam qualquer coisa sem importância.
Bernadete é tímida, continua em seu canto, o mais próximo possível da sala de aula, apenas observando todo o movimento. Uma nova arremessa de alunos começa chegar - em cima do horário por sinal - a escola antes vazia agora está quase sem espaço. Aos poucos cada aluno procura a sua classe, um a um vão saindo, ainda cabisbaixos e com os seus celulares nas mãos, procurando por sua tribo e seus caciques. Quando o relógio marca oito horas em ponto, toca o sinal da escola, um barulho enjoado que machuca os ouvidos. Bernadete e demais alunos buscando cada um seu lugar de sempre. Bernadete, bem no canto da parede.
A professora chega logo em seguida, é dia de prova, temida prova de desenho mecânico. Bernadete está confiante quanto ao seu desempenho...
Prova nas mãos, coração acelerado, depois de uma breve leitura e releitura das questões propostas, Bernadete começa respondendo cada uma delas, com muita calma usufruindo sabiamente de todo o tempo disponível, depois de responder tudo, 'ainda com tempo de sobra' faz uma última correção antes de entregar. Quando finalmente entrega a prova, a professora corrige na mesma hora, o coração em descompasso novamente. Veio a primeira notícia, 'boa notícia', tirou dez, depois veio a segunda boa notícia; a professora lhe disse, "Pode ir embora, está liberada Bernadete".
Ela não perdeu tempo, foi apressadamente para o ponto de ônibus enfrentar mais uma parcela do suplício das esperas intermináveis, nada como um dia eufórico para alegrar a alma, pensou.
De tanta euforia, e tão apressada que estava, ela atravessou a rua sem prestar atenção, o sinal estava vermelho, veio a parati, não houve tempo de se esquivar, nem da parati frear… E o dia eufórico se foi, Bernadete ficou ali, um corpo sem vida estendido na pista.