Que gosto tem a saudade?
Era três e cinquenta e cinco da tarde, de um domingo qualquer. Encontrei-me com este senhor ao passar pela Praça JK, em Belo Horizonte. Resolvi me aproximar quando notei que ele sussurrava uma frase repetidamente: “Eu tenho sessenta e oito anos e não sou daqui, que saudade de ti!”
- Boa tarde, senhor. Tá tudo bem?
“Boa tarde, minha jovem. Bem até que tá, mas eu preferia não tá aqui, eu não sou daqui, mas cá estou eu.”
- E de onde o senhor é?
“Sou de Araxá, minha jovem. Terra de Dona Beja.Terra de comida boa. Conhece Araxá, minha jovem? Os melhor doce vem de lá. Minha mãe fazia um bocade doce. Ninguém nunca fez um doce de leite tão gostoso e cremoso feito o dela!”
- Conheço de ouvir falar, mas nunca fui até lá. Faz tempo que o senhor mora aqui?
“Faz tanto tempo que até o perdi de vista. Era moço quando vim pra cá, junto de minha irmã mais velha. Viemo atrás de meu pai. Ele cascou fora de Araxá, largou eu, Lucélia e minhã mãe. Mãe adoeceu e acabou morrendo. Povo fala que foi de desgosto. Lucélia me catou e me trouxe pra cá. Achamo meu pai, mas ele já tava era com outra muié e um fio. Largamo o pai pra lá e Lucélia virou quase minha mãe. Agora, Lucélia morreu. Eu nunca me casei. Até arrumei uma moça que muito amei. Mas, num era pra ser. Cê sabe como é né? Ela casou com um delegado e largou eu. Nunca a esqueci. Mas, sinto mais saudades de Araxá que dela. Ela num me quis, não vou ficar com essa bubiça de ter saudade dela.”
- Mas o senhor vive sozinho, agora? Onde o senhor mora?
“Eu moro com Luzia, filha de Lucélia. Ela me trata bem, cuida bem de mim, mas essa vida longe de casa da uma canseira danada! Hoje eu comi um doce de leite depois do almoço. Falaram que era de Araxá. Lembrei do doce de minha mãe. Esse que comi nem se compara com o dela. Mas, lembrei e deu saudade. Tem gente que fala que a saudade tem um gosto amargo, a minha tem gosto de doce de leite.”
Ele sorriu, se levantou e saiu balbuciando “Eu tenho sessenta e oito anos e não sou daqui, que saudade de ti!”