Retrato de um homem comum
Falta-lhe delicadeza nas mais ínfimas ações. É rudimentar como um coqueiro, pesado quanto. Há algo manchado em sua pele, ainda mais em seu sorriso amarelado. Todas as suas atividades vem em efeito barulhento, não há silêncio em sua inquietude. Normalíssimo, previsibilíssimo (sempre quis escrever essa palavra, agora posso para retratar o sujeito). Já vai pelos quarenta, careca, alto e a velha barriga de cerveja e noites não dormidas. Em pleno século 21, ainda toma coca-cola. É convicto de sua sabedoria, mas divaga numa existência perdida. Fez filhos, apenas, ainda mais se perdeu. Procura por mulheres em vez de procurar por si. Gosta cegamente de futebol, consome também maços e maços de cigarro barato. Nunca escreve, lê esporadicamente o que lhe desperte algum interesse pueril. Exceto para a família é insignificante, e ainda assim se delineia nela como uma sombra. Ele quer mudança, o coitado, mas sempre dorme e acorda pro lado errado. Os pés não firmam, a estrada vacila, todos os sinais vermelhos insistem e titubeiam. Ele é sujo e só incomoda. Falta-lhe amor, aquele destinado a si, primeiramente. De onde virá a luz que o fará finalmente acordar? Ele se sente o dono da caverna, mas é mesmo engolido por ela.