Escaldado

Como houve sobra de frutas e verduras (particularmente maçãs, peras, brócolis, cenoura e couve-flor), resolvemos escaldar os excedentes antes de congelar, já que no inverno seria bem mais difícil (e caro) conseguir vegetais frescos na Islândia. Deu trabalho, mas Joana e eu picamos tudo e mergulhamos por lotes em água fervente, retirando pouco depois e mergulhando em água gelada por tempo igual. Ainda tivemos o trabalho de escorrer a água e acondicionar em saquinhos de plástico, adesivados com a data de produção.

- Quanto tempo acha que duram? - Indagou Joana, enxugando as mãos no avental.

- No freezer? Uns três meses... - avaliei.

- Ou seja, nosso estoque vai perder a validade bem no pico do inverno, mesmo que não consumamos tudo - calculou ela.

- Aí, passamos para os enlatados - ponderei. - Ou então, eu vou até aquele supermercado em Reykjavík, que cobra preços extorsivos, e faço uma reposição.

- E ficamos nós escaldados, não os vegetais... - riu-se ela.

Dei-lhe um beijo na bochecha:

- Que tal começarmos a aprender culinária islandesa? Tem muito peixe, mas, pelo menos, o peixe é fresco...

- Menos naquele prato nacional, que usa tubarão podre - retrucou ela, fazendo uma careta.

- Hákarl! Acho que podemos sobreviver sem esse...

Olhei para o calendário, pendurado numa das paredes da cozinha.

- Quer saber? Vou mandar um e-mail para o Mario... se ele passar pela Islândia em janeiro, peço para trazer uma carga de frutas e legumes da Espanha!

- Olha, que boa ideia - aprovou Joana. - E eu bem que gostaria que ele pudesse trazer um pouco daquele "jamón serrano"...

- Sem "jamón" - atalhei. - A alfândega islandesa veta qualquer importação de presunto e embutidos.

- Sem presunto, peixe podre e vegetais congelados... o que foi que nós viemos mesmo fazer no inverno da Islândia? - Joana me encarou, muito séria.

Apontei para a janela da cozinha, atrás dela.

- Ver aquilo.

No céu escuro, brilhando num tom de verde fluorescente, bailavam as luzes etéreas da aurora boreal.

- [12-01-2018]