Minha Volta ao Mundo
Minha Volta ao Mundo
Foram duas, na verdade. A primeira ficava exposta à minha frente nas noites que passei naquela república, no ano de 1970, em Belo Horizonte, esquina da Bahia com a Fernandes Tourinho em que, não sei por que cargas d'água, a dona da pensão, Dona Nilza, abandonou-nos à sorte do dono do imóvel e, do núcleo original que éramos, cinco muy guapos estudantes, começaram a aparecer... unos misteriosos hermanos de Perú y de Bolivia, que ahí se instalaban informalmente.
Donos de hábitos bem noturnos, e soturnos, só hablaban quando abordados. Um deles, Felipe, de cabeça raspada, fazia arquitetura na Universidade Federal e, como aparentemente como reserva de poupança, tinha uns vestidos típicos de seu país que dizia estar tentando vender. Impressionavam, mercadoria e mercador, mas praticamente do armário nenhum saía.
Um outro conterrâneo de Felipe era o Ortega Noriega, estudante de engenharia que, diante do espelho que havia na copa/cozinha vivia a espionar e a se queixar de um calvejamento precoce para os seus vinte e poucos anos. E havia o boliviano, tão raramente visto, que nem do nome, se é que o teve ou mo revelou, consigo me lembrar.
E justamente esse boliviano era o dono da Volta ao Mundo. Aquela camisa branca do material que nunca amarrotava ou passassão requeria. Daí ser a mesma lavada na banheira - justamente onde havia uma janela, então diante duma vista totalmente devassada, que dava para a janela de fundos do Palácio da Liberdade, e de onde eu passava bons momentos espiando o que o então Governador Israel Pinheiro poderia estar fazendo na cozinha palacial, de cuecas e coador à mão...
A Volta ao Mundo, só durante o breu é que era exposta e acho que cheguei até a cobiçá-la, ou a experimentar, mas como era possessão a única do boliviano - a menos que de mim escondesse seus pós - ficava com dó só de pensar numa potencial expropriação.
E quando a segunda Volta ao Mundo veio, que danei a viajar, digo pra tu, tive aquela sensação do déjà-vu...