VIVO
Chegou do trabalho, com a cabeça pesando de dor. Aquele novo gerente, tão pretensioso e idiota, proferindo ideias medíocres como se fossem as mais geniais da humanidade... Quanta sandice! E o pior, pegou-se falando por mais de uma vez: “grande ideia, chefe”. Era dilacerante a vergonha que sentia de si. Depois de um analgésico, debruçou-se na janela.
Céu sem estrelas, noite se anunciando chuvosa. Ali, do segundo andar, via tudo “de cima” e isso o agradava, mas resolveu descer. Já chovia. Alheio, sentou-se no meio-fio. De repente, um vira-lata se aproximou e começou a lambê-lo. Ele acolheu, carente, aquele mimo. Aprendia com o animal, que não sabia o que era a vida, simplesmente vivia. E pensou: “Irracional? Mas o que é ser racional? Este constante embaraçamento em teias produzidas pelos outros ou até por mim mesmo?”
Levantou-se e pôs-se a correr, brincar com o cachorro, que saltava e latia, abanando a cauda. Os dois seres celebravam a chuva, pisando nas poças, voejando suas gotas prateadas, livres e fraternos. Naquele momento, não havia mais gerente imbecil. Naquele momento, experimentou, depois de tanto tempo, como era simples estar vivo de verdade.