VIVO

Chegou do trabalho, com a cabeça pesando de dor. Aquele novo gerente, tão pretensioso e idiota, proferindo ideias medíocres como se fossem as mais geniais da humanidade... Quanta sandice! E o pior, pegou-se falando por mais de uma vez: “grande ideia, chefe”. Era dilacerante a vergonha que sentia de si. Depois de um analgésico, debruçou-se na janela.

Céu sem estrelas, noite se anunciando chuvosa. Ali, do segundo andar, via tudo “de cima” e isso o agradava, mas resolveu descer. Já chovia. Alheio, sentou-se no meio-fio. De repente, um vira-lata se aproximou e começou a lambê-lo. Ele acolheu, carente, aquele mimo. Aprendia com o animal, que não sabia o que era a vida, simplesmente vivia. E pensou: “Irracional? Mas o que é ser racional? Este constante embaraçamento em teias produzidas pelos outros ou até por mim mesmo?”

Levantou-se e pôs-se a correr, brincar com o cachorro, que saltava e latia, abanando a cauda. Os dois seres celebravam a chuva, pisando nas poças, voejando suas gotas prateadas, livres e fraternos. Naquele momento, não havia mais gerente imbecil. Naquele momento, experimentou, depois de tanto tempo, como era simples estar vivo de verdade.

Marco Aurelio Vieira
Enviado por Marco Aurelio Vieira em 03/11/2017
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