SE NÃO É TITO, É MÁRIO

Desciam o carreador escuro usando lanterna improvisada, uma vela dentro de uma caneca. As crianças, eufóricas, brincavam de guerra de mamona e contavam histórias de fantasmas. Os mais velhos, carrancudos, estalavam os chinelos nos pés, bufando: “Não presta esse falatório no caminho da reza, chama coisa ruim”. Dona Célia, uma senhora robusta, vinha atrás arrastando a perna ruim.

Toda vez que passavam em frente ao bosque alguém puxava o terço pelas almas dos mortos na guerra do Brasil com o Paraguai. Diziam que bem naquele local tinha morrido muita gente e em noites de lua clara era possível ver uma charrete cortando a escuridão e ouvir uma mulher chorando.

Apesar dos olhares de censura o burburinho dos pequenos só aumentava com a possibilidade do sobrenatural. O rezador comandava o terço arrastado quando as vozes começaram a ficar tensas e os adultos, desconfiados. Um cheiro estranho pairava no ar. Fedor de enxofre. Apertaram o passo, na certa coisa boa não era.

Nas noites sem lua o caminho era mais escuro e o medo uma armadilha. O terço ainda se estendia quando um vento forte chacoalhou o capim e apagou a vela. Todos correram. Os pequenos na frente, os mais velhos atrás. Apressados, esqueceram-se de Dona Célia coxeando.

Quase chegando em casa, ouviram gritos vindos de trás. Pararam tensos. Era a vizinha manca. Foram ao seu encontro, ela chamava por seu filho Tito, ralhava com o rapaz por ele não a responder mesmo estando bem ali, na sua frente. Mas ele não estava, tinha saído bem antes e provavelmente já dormia em casa. Então a velha arregalou os olhos, botou a mão na testa e caiu sobre os joelhos: “Minha nossa senhora de Aparecida, se não é Tito, é Mário”.

Todos teriam corrido para acudi-la, mas congelaram. As faces pálidas, estáticas na escuridão, no mato uma silhueta se dissolvia em suas vestes brancas. Mário, o filho morto há anos, estendia a mão para a mãe desfalecida.

Eliane Verica
Enviado por Eliane Verica em 13/09/2017
Código do texto: T6113242
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