O Brado

Ao chegar ao restaurante do hotel e acomodar-se para tomar o desjejum, foi saudado pela sorridente garçonete de longas tranças louras, vestida num encantador estilo bávaro: corpete vermelho, vestido branco. "Rapunzel", como a denominara na véspera.

- Bom dia, Herr Morrison!

- Bom dia... Lotta - respondeu ele, cautelosamente, após olhar a plaqueta de identificação que ela trazia no lado esquerdo do corpete.

Havia sentado-se numa mesa próxima à uma janela. Do outro lado da rua lá fora, avistou o prédio de dois andares que vira arder em chamas a partir do seu quarto, na noite anterior. Agora havia um carro de polícia parado em frente, com dois policiais olhando as ruínas enegrecidas com ar entediado, um deles tomando notas num bloco.

- O que houve ali? - Perguntou ele, quando ela retornou com os bules de leite e café, pãezinhos e geleia.

A garçonete olhou para fora, expressão embaraçada. Depois, começou a falar rapidamente:

- Herr Morrison... segundo "O Brado", naquele prédio funcionava uma célula terrorista do Exército de Libertação Oriental. Os terroristas cometeram algum erro ao manusear produtos químicos e puseram fogo ao prédio. Todos morreram, felizmente.

Morrison olhou para a fachada do prédio incendiado. Ainda havia ali uma placa onde se podia ler "Alfaiataria". "Esses terroristas estão ficando espertos", pensou. "Usaram uma alfaiataria para justificar entradas e saídas de todo tipo de gente"...

Ou não.

Da janela do seu quarto, vira quando, altas horas da noite, um caminhão de transporte de tropas havia parado em frente à alfaiataria, e dele desceram cerca de uma dúzia de homens, mascarados e vestidos de preto. A porta do estabelecimento havia sido arrombada a pontapés. Em seguida, gritos, ruído de vidros quebrados. Finalmente, um homem, uma mulher gorda e um casal de adolescentes, todos em trajes de dormir, foram arrastados do imóvel para a carroçaria do caminhão. Antes de partir, um dos atacantes atirou um coquetel molotov dentro do estabelecimento. Material inflamável à vontade, o fogo espalhou-se com rapidez.

Sacudiu a cabeça, como quem afasta uma visão desagradável.

- Claro, "O Brado"... às vezes me pergunto como eles conseguem tantos detalhes desses incêndios misteriosos.

A garçonete concedeu-lhe um sorriso gracioso:

- Certamente devem ter informantes na polícia, Herr Morrison.

"Polícia que acabara de chegar e sequer entrara na loja", ponderou. "Nem deveria, pois pode haver risco de desabamento".

E devolvendo o sorriso para a garçonete:

- Que bom que temos "O Brado" para nos esclarecer sobre o que realmente acontece, não é, Lotta?

- [21-07-2017]