Ser ou não ser

- E então, já escolheram qual das peças de Shakespeare irão adaptar para a apresentação no festival? - Perguntou o professor de arte dramática.

- Hamlet! - Responderam os adolescentes quase que em uníssono. Algumas vozes discordantes incluíram "Sonho de uma Noite de Verão" e "Júlio César". O professor cruzou os braços por um momento, ar de riso.

- Creio que não estamos num bom momento para representar "Júlio César"...

E descruzando os braços:

- Mas "Hamlet" é uma opção interessante, gostaria de saber o porquê da escolha. Sim, Tânia?

Tânia, uma gordinha de óculos de nerd e cabelo preso num rabo de cavalo, havia erguido a mão.

- Sabe professor, discutimos muito sobre o que seria mais legal, e o monólogo de Hamlet foi muito lembrado...

- Só que não é um monólogo, - atalhou o professor - é um solilóquio. Qual a diferença? No solilóquio, o ator está só, no palco, e se dirige à plateia. No monólogo, ele se dirige à uma audiência que está em cena, mas que não responde. Como na cena do discurso de Henrique V às suas tropas, por exemplo. Outro ponto: no solilóquio, o que é dito representa o pensamento do personagem, não palavras realmente faladas.

- É como se pudéssemos ler o pensamento do personagem? - Indagou Francisco, um rapaz magro e de ar triste.

- Creio que podemos considerar desta forma - assentiu o professor. - Mesmo que outros personagens estejam em cena, eles "não ouvirão" o que for dito no solilóquio, porque ele representa, na verdade, pensamentos.

- Certo, professor, só que nós vamos fazer uma mudança na peça justamente pelo fato do... solilóquio... ser tão conhecido - prosseguiu Tânia. - Vamos começar a peça com ele.

- Uma ideia ousada. Gosto dela - admitiu o professor.

E voltando a atenção para os demais alunos, ergueu os braços como se fosse reger uma orquestra:

- Então, quando se abrir a cortina para o espetáculo, o público verá Hamlet em cena e ele dirá...

- Ser ou não ser! - Gritaram os alunos em coro.

- E o que decide Hamlet? Ser ou não ser? - Questionou o mestre.

- Isso nós não sabemos, professor - respondeu Mariana, uma loirinha miúda, de olhos grandes. - Mas achamos que ele pode estar falando de suicídio. De como o suicídio poderia resolver os problemas dele.

O professor balançou a cabeça em concordância.

- Mas, no final, não é esse caminho que ele toma, não é?

Os alunos assentiram, num vozerio confuso.

- Hamlet não se mata, entre outras razões, porque não sabe se há vida após a morte,  - prosseguiu o professor - o que não deixa de ser curioso, já que ele acaba tendo uma conversa com o fantasma do pai. Portanto, mover o solilóquio para o início da peça é um recurso inteligente, pois parece resolver um erro de continuidade de Shakespeare.

E abrindo um sorriso:

- Isso, é claro, se vocês realmente acreditam que Shakespeare seria capaz de cometer um erro de continuidade.

- [05-07-2017]