Linha C4
O celular tocou quando ele já estava sentado dentro do ônibus. Olhou rapidamente para a tela, antes de atender.
- Oi. Já estou no C4.
Aguardou enquanto ouvia a interlocutora, sua mulher.
- No geral, ela está bem... a equipe é atenciosa, mas atarefada. Acho que estão com falta de pessoal.
Balançou a cabeça, expressão contrariada.
- Não, isso não procede. Não vi ninguém sendo atendido em macas no corredor, muito menos minha mãe. Ela está num quarto, é limpo e asseado.
Ergueu as sobrancelhas.
- Sim, estou a par disso. Mas não aconteceu aqui em Monmoutshire. Você não achou que eu deixaria minha mãe num lugar desses, não é?
Suspirou.
- Sim, perguntei, e a resposta continua sendo "não". O Conselho de Saúde recusou, ela vai ter que se tratar no Nevill Hall, em Abergavenny. Sim, expliquei que era câncer e que no County Hospital em Hereford ela teria melhores condições de recuperação. Mas estão irredutíveis. Algo a ver com questões fronteiriças. Em termos hospitalares, respondemos às autoridades de Gales, não da Inglaterra.
Balançou a cabeça em concordância.
- É, são piores mesmo. Mas se não for em Abergavenny, insinuaram que poderia ser em qualquer outro lugar melhor aparelhado - desde que fosse em Gales.
Olhou pela janela do ônibus para o dia cinzento lá fora.
- Ela quis saber porque você não foi.
Fechou os olhos por um instante.
- Sim, eu disse que estava de plantão.
E após um breve silêncio.
- Não sei se ela acreditou, mas disse que queria te ver antes de morrer...
Mordeu os lábios.
- Não sei se o tipo de câncer dela é tão agressivo assim, espero que não... mas sabe como ela é dramática.
Suspirou.
- Mas você podia ir vê-la quando a transferirem para Abergavenny. Ela ficaria feliz.
Suspirou.
- Thatcher morreu faz tanto tempo... decerto mamãe já te perdoou por você tê-la chamado de a "Galinha Átila".
Suspirou.
- A "Galinha Átila" e coisas piores, eu sei. Não. Não.
E com mais ênfase:
- Não!
Trocou o celular de mãos.
- Castigo? Pelo amor de Deus! O que o Conselho de Saúde tem a ver com isso? É culpa da Thatcher? Thatcher está morta e enterrada!
E finalmente:
- Falamos sobre isso quando eu chegar em casa.
Desligou. E, com olhar taciturno, concluiu que a mulher bem podia estar com a razão. Sua mãe, que sempre fora uma ardorosa defensora de Margaret Thatcher, talvez estivesse no fim da vida sofrendo os efeitos colaterais de uma administração que terminara em 1990.
Sobrevivera à Margaret Thatcher, mas talvez não sobrevivesse à Theresa May.
- [28-05-2017]