RÉQUIEM
 
Era uma vez um nobre homem que cultivava um belo jardim em sua propriedade.
Um certo dia notou o aparecimento de um cacto que ele não tinha plantado.
Passou a olhá-lo com indiferença, refreando o desejo de erradicá-lo “afinal, era apenas um cacto!”
Simplesmente apareceu ali e, como era uma planta, deixou-o ficar.
O tempo foi passando, calor e frio ele enfrentou galhardamente em silêncio e, estoicamente, mesmo sem cuidado, sobreviveu, sem, entretanto, chamar a atenção de ninguém; um vegetal, como milhões,
cor verde, com folhas lanceoladas e suculentas, tipicamente adaptadas à carência de água.
Diariamente passava por ele sem vê-lo e outras tantas vezes até desviava o jato de água da mangueira do seu pé como a dizer “ele não precisa disso”.
Enquanto todas as flores vizinhas expunham a beleza de suas flores coloridas, o coitado do cacto permanecia vestido daquele verde igual à grama ou à exuberante ramaria que o cercava e continuava num  humilde anonimato.
Alguns amigos visitantes, esbarrando com aquele monte de folhas verdes, perguntavam “o que é isso? ”e a resposta, indiferente, era “é, apenas, um cacto”.  
Até hoje não sabia seu nome, científico ou popular, mas, realmente, isso nem tem importância se comparado à essência das coisas, ao que representam, realmente, no contexto universal.
Agora, depois de tudo passado e quando aquela sensação de culpa o afligia, veio-lhe à mente frase de Victor Hugo ao sentenciar “Meus amigos, nunca digam que há plantas más ou homens maus. O que há são maus cultivadores.”
A abrangência do conceito se aplica a toda atividade humana, cheia de vícios, preconceitos, indiferenças e desamor.
O exemplo está aí, vivido por esse ilustre homem; “só vi o belo colorido das flores, endeusado por todos, sem mais necessidade de olhares extasiados e olvidei o simples, o humilde, o que, apenas, existe, mas nem por isso deixa de ser importante!”
A silenciosa resposta deste sofrido vegetal foi, à sua maneira, florescer...
E morrer!
 
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Nota do autor – Trata-se do Agave-dragão (agave attenuata), originário do México e uma das plantas que, quando floresce, morre,
 
Imagem – do autor
 
 
 
paulo rego
Enviado por paulo rego em 27/05/2017
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