O abraço do percal
Chegou a hora de se deitar e fechar os olhos para o dia que passara sem grandes emoções, mas que trouxe no seu bojo alguns dissabores quotidianos que ela já estava se acostumando.
O contato macio do percal eram como mãos a acariciar os seus braços, encolvendo-na em um abraço silente que lhe dava, enfim, um gosto bom de um carinho. No escuro daquela tela de cinema particular, imagens iam brotando. Cenas de um passado distante, beijos que ela buscava sentir. E porque não? Não via o rosto, mas sentia o contato do corpo quente e o gozo das palavras sussurradas no ouvido.
- Eu amo você. Não lhe direi mais, mas na noite de muitos silêncios eu posso te falar aqui. Nesse lugar, nesse espaço onde ninguém nos vê.
A solidão e a necessidade de afago traziam uma voz doce, talvez a voz dissimulada do próprio ego, que buscava preencher o vazio que a carência foi formando ao longo do tempo. Como a água do mar que lava a areia entre as pedras, ela foi criando profundas fendas em sua mente, ora estavam expostas, ora encobertas pela água salgada das lágrimas que molhavam seu travesseiro.
Ninguém a salvaria. Não há super-heróis. Entao respirou profundamente, repassou os sentimentos que teve durante o dia como se quisesse dar um último aceno a eles antes de atravessar para a terra intrigante do sono. Deixou-se estar em oração. Sem pedir nada. Só agradeceu. Recitou mentalmente o mantra do amor universal, desejou que os seres sejam felizes e que se liberem de seu sofrimento. Desvencilhou-se do abraço egóico daquele companheiro imaginário e olhou para o pedaço do céu estrelado que se podia ver pela fresta da janela. Sentiu um calor no coração. Teve uma única certeza: A de que tudo era como deveria ser.
Claudia Machado
29/4/17