O ENTERRO DA CATARINA

Ela veio morar conosco já há alguns meses. A principio pensei em cobrar aluguel, porém quando percebi que ela não possuía condições de arcar com tal honorário resolvi, então, deixá-la acomodar-se em um quartinho existente nos fundos do quintal até que desse rumo a sua vida. Com o passar dos dias nos tornamos amigos íntimos e confidentes, a ponto de tomar a liberdade de apelidá-la de Catarina. Passaram-se os meses tranquilamente até que dias destes me assustei com o meu sobrinho Danilo, de 12 anos, na sala, festejando aos berros algo que havia acontecido. Corri pra ver qual o motivo de tanta algazarra e ele, todo eufórico, com uma borrachinha na mão, apontava orgulhoso para a pobre da Catarina, que jazia a um canto da sala quase cortada ao meio. Fiquei P... da vida com o que ele havia feito. Ele simplesmente havia trucidado a minha inofensiva e branquela lagartixa, por quem eu tinha grande estima e consideração. E ele, com os olhos arregalados, sem entender qual a razão de toda aquela minha fúria, começou a chorar copiosamente. Então, abracei-o e expliquei que os bichinhos fazem parte da natureza e a natureza merece todo o nosso respeito, principalmente a Catarina que mantinha o equilíbrio ambiental em nossa casa traçando, vez ou outra, uma barata, uma aranha ou alguns outros pequenos insetos que apareciam esporadicamente por ali. Ele entendeu perfeitamente e me pediu perdão pelo que havia feito. Após os devidos perdões providenciamos o sepultamento da Catarina, que foi colocada dentro de uma urna improvisada com uma caixa de fósforos e enterrada com todas as honrarias cabíveis para um momento tão especial como aquele. Teve um minuto de silêncio ao toque retumbante de uma cornetinha de brinquedo tocada pelo Arthur, o sobrinho mais novo de 10 anos, acompanhado pelo repique estridente de uma velha caixa de guerra, que há muito eu a deixara abandonada no porão de casa e que foi tocada pelo Danilo, o autor arrependido de tamanha barbaridade. Feito todas as honrarias, carregamos o caixão até o jardim, que tem na frente da casa e a enterramos entre rosas, jacintos, camélias e algumas irreverentes Maria Sem Vergonha.

Descanse em paz Catarina e que Deus ilumine os seus caminhos por toda a eternidade em sua nova morada.