Naquele ano, choveu pouco no Norte de Minas, e a luta para salvar o gado era interminável. Levantava um animal aqui, caia outro ali. Levantava um ali, caia outro acolá... Até barrigueira para o animal ficar em pé, ele fazia. Aprendera a salvar gado nas grandes secas do Nordeste, dando papelão molhado e garapa de rapadura às reses mais fracas. Muita gente fazia isso e salvava parte do rebanho. Quem não tinha papelão, oferecia cacto sapecado, levemente queimado, para eliminar os espinhos.
— Papelão para vaca parida? O pasto está minguado, o leite também, mas você pode comprar torta de algodão e dar ao gado.
— Nada não, mulher. Quero que o leite saia embalado como ovo de galinha!
— E a garrafada de rapadura? É para o leite sair adocicado?
— Sê besta!...Rapadura é o melhor energético para levantar animal caído.
Não quis dizer que no Nordeste, ele comeu sementes de maniçoba, encontrada no esterco das vacas, e alimentou-se da mesma macambira que queimava para dar ao gado na seca de 1932. Nem que era nômade como milhares de nordestinos, que abandonam suas terras, por causa da seca e vão tentar a sorte, longe do seco torrão. E quando um grandalhão, do alto de seu orgulho perguntava, em tom zombeteiro: ‘Tu és nordestino, bichinho?’ Tinha vontade de dizer: ‘ Sou polonês, alemão. Quem sabe, oriental!’ ‘ Sou um vira-lata que morou em Minas Gerais, Bahia... Maranhão, São Paulo, Goiás e Rio de Janeiro. Mas nasci no Nordeste. ’ Ficava, no entanto, com outra resposta: ‘Sou brasileiro...’
— Deste tamanho estás mais para boi curraleiro — diz o mineiro.
— Pé-duro. Na minha terra, pé-duro. Mas afinal, quanto vale um pedaço de carne a mais, se São Miguel não é açougueiro! De que vale o tamanho da carcaça, se o espírito imortal, não tem pele nem osso! Tanto faz 100 ou 150 granas de pó. Na balança de Deus, qualquer quantidade tem o mesmo peso.
Céu limpo, azulado, nenhuma nuvem. Falta água e comida para o gado. A seca de 1957 repete a fone de 32.
Cai a noite.
A lua já era velha e o repertório de Generoso não se esgotava. E, lembrando-se do seco Nordeste, dedilhava a viola, procurando afiná-la com a toada que ouvia quando era novo.
Tírú-lírú-lírú, lírú- lírú lírú-lão. Tírú-lírú-lírú, lírú-lírú lírú-lão:
A seca de 32 não foi culpada sozinha, porque desde 27 que ano bom já não vinha... Tírú-lírú-lírú, lírú- lírú lírú-lão. Tírú-lírú-lírú, lírú-lírú lírú-lão.
— Inté outro dia, patrão.
— Até...
Vaqueiros e agregados afastavam-se protegidos por uma nesga de lua. À distância a silhueta ia-se transformando em vultos que sumiam na curva do caminho.
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Texto: Adalberto Lima - Estrada sem fim...(obra em construção)
Imagens: Internet.