Amor sem remetente

Seu amor era carta que enviava sem remetente, ele mesmo o entregava ao destinatário. Assim, quem recebia logo passava a conhecer o único e estranho costume que ele se permitia revelar: tal carteiro não temia cães de guarda, mas tinha medo de ser com uma carta premiado.

Até o dia em que esse atípico servidor se viu obrigado a escrever na carta o seu endereço, não era exatamente o desejo de ser recompensado que havia crescido, mas o conteúdo escrito que agora passava a ser diferente, ao invés de apenas afirmações e declarações ditas ao vento, sua carta continha questões geradas por uma imensa necessidade de saber a resposta, a partir daí percebeu que nunca havia amado realmente.

Quando enfim viu chegar a correspondência que tanto temia, abriu-a entusiasmado, ainda alimentando a esperança de voltar ao seu antigo hábito de entregador misterioso. Experimentou aquela novidade, submerso no sentimento que esmagara seu pavor e quebrara sua tradição, apreciou sobremodo essa combinação e esqueceu-se do resto do mundo.

No breve instante que recobrou a consciência — era tarde demais — achou-se viciado em reciprocidade.