João e o pássaro
Era um canto esquisito, como ele jamais ouvira igual. Procurou saber de onde vinha, mas era difícil. Tinha a impressão de que o pássaro brincava com sua inquietação, e mudava de galho em galho, esquivando-se. João Paulo pôs sua bota, bota de guerra a qual constantemente usava para as obras em seu quintal. Pegou um facão para adentrar no matagal. E uma camisa velha para evitar as coceiras das folhas selvagens.
Pulou o muro que dava para o matagal. Olhou para o alto, em busca do pássaro de canto esquisito que pairava pelas copas das árvores que davam para os fundos de seu quintal. Olhou atento, sorrateiro, pisando leve pelas folhas caídas no chão. Olhar matreiro o de João, o qual se enfurnava, agora, pelas entrâncias do matagal.
O pássaro liberava, aos poucos, seu canto. Como pistas dadas aqui e ali, com a intenção de confundir. Desejava ser encontrado? Ou pretendia brincar com João e deixa-lo procurando, para, depois, abandoná-lo, frustrado? Que sabedoria a daquele pequeno pássaro.
João empunhava sua faca contra as plantas e contra os matos pós-muro de seu quintal, e mantinha o olhar vigilante. Escondeu-se, furtivo, após ouvir um canto rapidamente cortado. O matreiro percebeu que João olhava em sua direção. A sabedoria do pássaro fora captada por João. Pobre pássaro, agora está na mira de João.
Cabia ao pássaro acabar com tal brincadeira. Alçar vôo para os céus e seguir adiante, ir embora. Prosseguir livre em seu vôo, em seu caminho. Mas não. Preferiu continuar a brincar com João. Destemido este pássaro, o pássaro que desafiava João. Tanto que se pôs a cantar mais e mais, pois entendia que seu algoz se encontrava distante, e, por tal razão, persistiu confiante, a cantar em zombaria a João.
Pobre pássaro. Não percebeu a astúcia, a destreza e a coragem de João. Para manter o silêncio, fingiu não ver o pássaro, o qual, efetivamente, via. Sorrateiro, pulou entre os galhos das árvores, imprimindo força desigual. O preço da destreza é o esforço. E enquanto o pássaro mantinha sua confiança, João preferiu desconfiar da sua e levou a sério a empreitada. Considerou aquele mais sábio, e se fez humilde. E, assim, o conseguiu alcançar.
João tomou o pássaro nas mãos. O prisioneiro se pôs a imaginar sua triste sina. Tal como seus parentes e antepassados, entraria em alguma gaiola e seria, a partir de então, entre tantos outros, uma atração.
Por sua vez, João tinha fome. Não tinha comida em casa. Havia dias que não comia carne, e aquele pássaro parecia suculento demais para um bicho de canto tão refinado.
O pássaro não sabia da fome de João. No entanto, algo o fez começar a cantar. E ele cantou maravilhosamente. Afinal de contas, era o fim de sua liberdade. Seu canto serviria, além de tudo, para avisar aos outros de sua espécie que não deveriam ser tão atrevidos, que deviam ser cuidadosos, e jamais acreditar tanto em si.
João achou aquele canto maravilhoso, e considerou que aquele bicho não merecia ir para a panela. Jamais ouvira canto igual e não sabia se o ouviria novamente. Considerou uma dádiva divina a oportunidade de tê-lo escutado e que seria injusto de sua parte sequer mantê-lo preso.
E João soltou o belo pássaro. Surpreso, este alçou vôo para os céus imediatamente. Fugiu desesperadamente e desapareceu no infinito.
Alguns dias se passaram. E João, finalmente, mudou sua sorte. Seus dias se tornaram mais prósperos. E, diante da mesa de um farto almoço de domingo, junto de sua família, foram agraciados com um belo canto, vindo dos fundos de seu quintal.