A conquista e a caçamba
Chico Vira-bicho estava mais feliz que pinto naquilo. Conquistara a garota mais bonita da redondeza. Era uma paranaense alta, magra, cabelos castanhos e lisos e olhos claros. Não estava nem acreditando. O azarão da turma com aquele monumento. A moça trabalhava em uma pequena lanchonete de propriedade de dona Ziza, tia de Chico. Faltavam as formalizações de praxe: apresentar aos pais, visitar as casas etc. Mas já tudo estava engrenado. O dia mal começara mas já prometia.
Zenaide, a deusa de Vira-Bicho (VB, doravante), era simples mas muito exigente consigo mesma. Unhas, cabelos... impecáveis. Roupas de muito bom gosto e sem qualquer exagero, embora as minissaias e os tomara-que-caia estivessem em destaque no seu guarda-roupas. Mas voltemos ao VB que estava se preparando para seu trabalho.
Era uma sexta-feira de junho, em meados dos anos setenta. VB, em seus quase dezoito anos de idade já comemorava um ano de emprego fixo. Era o melhor salário entre todos seus amigos até porque eram poucos os que já trabalhavam. Era reservado tímido! Logo mais, à noite, iria levar Zenaide da escola até a sua residência. Conheceria seus pais.
No horário do almoço, comprou um cinto novo, uma bisnaga de Nuget, um vidro de perfume “Madeiras do Oriente” e um frasco de laquê. Comprou também uma serrinha de unha:“Que os cabelos se apresentem ordenados e as unhas não lembrem a antiga criança rebelde”, Vira-bicho fumava "Carlton", mas em dia de festa comprava "Pall Mall". Não titubeou: comprou dois maços de Pall Mall e um de "Du Maurier" o famoso "Preto, comprido e metido a francês".
À tarde, VB ainda deu uma escapada pra lavar, calibrar os pneus e regular os freios da sua magrela., uma Monark Barra Dupla, 78. Nada podia dar errado. E o coração à mil.
Ficou pensando com seus botões, que noite maravilhosa ele teria com a Zenaide. Enfim, ela sempre foi a dona de seus desejos e inspirações. Sem falar nos sonhos eróticos que tinha. Acordava tesudo, muitas vezes tinha poluções noturnas. Ficava a imaginar a Zenaide com seus lábios carnudos a beijar-lhe. Seus seios fartos, seu bumbum roliço e arrebitado. O som estridente do telefone fixo quebrou os pensamentos eróticos do VB. Correu para atender aquele chamado que vinha em hora imprópria, tirando-o de um devaneio com seu amor, platônico até então. Do outro lado da linha, aquela voz rouca que ele muito bem conhecia: uma ex-namorada, que na realidade não passara de um “peguete”.
— VB é a sua tchutchuzinha! Hoje é sexta-feira e eu fiquei pensando que nós poderíamos dar uma saída, fazer um programa...Sei lá!?...
Quando o VB ia responder que essa ideia de sua “ex” não tinha a menor chance de acontecer, a ligação caiu. O telefone preto ficou então com aquele som apitando indefinidamente. VB desligou, mas teve a ideia de deixar o telefone fora do gancho para ter certeza que não seria mais importunado. Voltou a se preocupar com os detalhes de sua roupa, do perfume, do laquê em seus cabelos e com a sua bicicleta. Tudo tinha que estar impecável, nos seus mínimos detalhes..Às 19 horas saiu para o encontro com a Zenaide, aquele encontro por ele tão esperado. Era a primeira vez. Já tinha combinado, VB a levaria de bicicleta para um motel. Não podia levá-la para um motel de luxo, mas a levaria para um lugar aconchegante, um motel que tinha sido inaugurado recentemente, na saída da cidade, na BR 364, e que tinha Vídeo-cassete com filme pornô, 10 canais de música ambiente, até mesmo cama redonda de colchão d”água. A hora naquele motel “ cabia “em seu bolso, pois tinha feito umas economias e valeria a pena investir no amor dos seus sonhos e fantasias. Já com a Zenaide sentada no varão da sua Monark de duplo varão, VB começou a sua noitada. Tinha programado primeiramente passar num barzinho lá na zona leste onde sempre “rolava” um pagodinho. Lá iriam tomar umas “geladas”, dançar um pouco e finalmente pegaria o rumo do motel, na saída da BR. Com esses pensamentos em sua cabeça, VB ia pedalando todo feliz e cheio de amor pra dar.
“Será que ela vai cair na minha lábia?” conjecturava sob os solavancos da rua mal encascalhada. Dava até pena meter aquela magrela naquela buraqueira… Mas no final do arco-íris havia de haver ouro… Será que ela ficaria zangada por ele mudar o percurso assim, do nada?... “‘Do nada’, uma ova, se eu pegar aquele peixe…”. - A buzina de um fusca atrás de VB fê-lo sair da transe… Mas Zenaide só sairia da aula depois das 9 da noite. Haveria um evento no colégio e dispensariam os alunos mais cedo. Resolveu tomar umas cervejas na Zona Leste, para esquentar os ânimos.
Não conseguia entender como uma cidade tão pequena tinha Centro, Zona Norte, e Zona Leste. Pingolin Mirim tinha menos de 10 mil habitantes. Só duas ruas receberam asfalto. E a Energia não cobria toda a Zona Leste. A única via de acesso era a BR 364. Mas este conto não é aula de geografia, aliás a matéria que mais reprovara VB nos seus anos de ginásio, então voltemos ao encontro.
Quinze para as nove estava lá na frente da escola. Nervoso que nem no dia que fez a prova de Admissão ao Ginásio. Estava impaciente. “Será que ela faltou hoje?”, “Será que desistiu”, mil pensamentos permeiavam sua mente até que finalmente ela apareceu. Tão atrapalhado ficou o rapaz que só conseguiu dizer: “Sobe aí!”, apontando pra garupa da magrela. E ela mais assustada ainda, só subiu, sem nada dizer. E foram. Alguns minutos se passaram até que se iniciasse um diálogo.
— Você quer ir direto pra casa ou quer passar em algum lugar antes? - VB quis saber.
— Ah! Não sei! No que você tava pensando… Um sorvete?
— Não era bem isso. Uma Cervejinha, por exemplo. Que tal?
— Pode ser, mas eu bebo pouco. E meus pais não podem saber…
Entraram num barzinho bem arrumado e aconchegante. Não se passou meia hora e já estavam nos maiores beijos. O barômetro de Zenaide a alertava sobre o ar pesada que caía sobre o casal… “Tá ficando quente… e úmido, não”. VB sabia que a umidade não era só no ar… “Carne em breve explodindo”.
No caminho de ida para casa de Zenaide, VB não sabia como desviar para um motel. Por sorte que passaria por dois. Sorte ou azar. Pois pelo primeiro passou sem sequer diminuir a marcha. E logo a frente estava o segundo: “Motel Estrelinha” dizia o Neon quase sem brilho. Cerca de cinquenta metros antes do “Estrelinha” VB parou a bicicleta e criou coragem…
Antes de passar pelo segundo Motel, VB resolveu abrir o jogo: parou sua bicicleta e explicou a Zenaide que, na realidade, queria mesmo era ficar com ela no Motel Estrelinha, que estaria a duas quadras dali. Caso ela aceitasse, não iria se arrepender. Passariam momentos inesquecíveis!...
— Mas VB, se eu ficar grávida meu pai me mata!
— Nem pense nisso: usaremos preservativo. Trouxe aqui alguns, da Jhonson & Jhonson, o famoso Jontex. Dizem que é um dos melhores, não corre o risco de furar.
Zenaide, que já estava sonhando com os momentos inesquecíveis, concordou e novamente montou na bicicleta do VB e foram os dois em busca do motel, o qual ficava numa curva daquela rua. Quando já estavam chegando ao motel, quando já viam sua lâmpada vermelha acesa, foi que tudo aconteceu não mais que de repente: uma caçamba tombeira, carregada de cascalho, dobrou na curva em alta velocidade, e não deu tempo de quase nada. O VB só teve tempo de jogar a bicicleta na vala, mas a caçamba ainda tocou na sua bike, atirando o casal a distância.
No dia seguinte, na folha policial, a manchete mais chamativa dizia: “Casal indo para o motel foi atropelado por uma caçamba”. O nome da Zenaide foi preservado, pois era de menor idade.