----------------- As Joias
Era pobre, não tinha joias. Na verdade tinha: um anel, um colar e um par de brincos em esmeralda, comprados em anos de trabalho no escritório. Mas tinha também medo de assalto. Não se arriscava a usar seus mimos com medo do cano de um revolver na testa e o meliante gritando “Perdeu, perdeu!”.
Mas, naquela manhã ela acordou ousada: ia usar suas joias para trabalhar. As amigas ainda não as conheciam e ela queria mostrá-las. Adornou colo, dedo e orelhas e pegou o metrô na estação perto de casa. Notou os olhares curiosos sobre suas pedras. Talvez não demorasse muito o ataque de algum bandido, ali mesmo dentro do vagão. Mas queria correr o risco.
Conseguiu chegar a salvo ao escritório. Entrou faiscante, e passou o dia entre comentários admirados das colegas de trabalho “Endoidou, Cacilda? Se um gatuno resolve, cê tá perdida!”. Cacilda estava doida mesmo. Onde já se viu? Sair da periferia ostentando aquela pequena fortuna em dias tão difíceis, de tanta violência? Pura loucura.
Às seis, expediente encerrado. Em meses de escuro mais cedo ia enfrentar a noite fechada quando alcançasse a rua. Olhou-se no espelho do banheiro, conferiu mais uma vez o brilho de suas joias, reforçou o batom e partiu em direção ao metrô. Agora sim, ia ser o desafio. À noite, quando o fino da bandidagem saía à caça de suas vítimas, tudo era mais perigoso.
Sentou-se no último banco, e viu os mesmos olhares curiosos sobre ela. De repente, um medo absurdo a invadiu. Num impulso, puxou os cabelos para a frente tentando disfarçar os brincos, levantou a gola do casaco diminuindo o brilho do colar, escondeu o anelar debaixo da bolsa. O coração era tambor no peito. Intimamente censurou-se: estava mesmo correndo um risco desnecessário, expondo à toa seus pequenos tesouros. Por que fizera aquilo? Nunca mais! Nunca mais repetiria tamanho desatino.
No ponto perto de casa, ela saltou. Esperou que os passageiros se dispersassem. Sozinha na plataforma, olhou para os lados e, com passos nervosos tomou a direção de casa. Estava em pânico. À medida que andava, parecia sentir os lampejos das esmeraldas atraindo mil olhos camuflados nas sombras. A sensação a incomodava, fazia-a sufocar. Rapidamente tomou a decisão: retirou os brincos, o colar, o anel e enfiou-os num compartimento interno da bolsa. Puxou o zíper e seguiu furtivamente.
Ofegante pelo esforço da caminhada, viu-se finalmente diante da porta de entrada do pequeno apartamento onde morava. Um arrepio de alívio a percorreu. Fazia-lhe bem saber que em breve suas joias estariam seguras na caixinha do fundo do guarda-roupa. Nunca, nunca mais as usaria enquanto vida tivesse! Não ia entregá-las de mão beijada aos larápios. Ah, isso não! Expirou profundamente a tensão do dia, e entrou. Foi quando deu com a casa toda revirada... Tinham levado tudo, até a caixinha onde ela guardava o colar, o anel, o par de brincos...