Muito além do Mandarim
Antonio Carlos estava entretido, olhando a nova vizinha pela janela, quando sua irmã, por trás, cutucou-lhe a cintura pelos dois flancos justamente nos locais que mais tinha cócegas.Soltou um quase-palavrão em meia voz, pois não queria chamar a atenção da vizinha que ainda nada tinha percebido.
— Está caidinho pela chinesinha né, seu Antônio Carlos.
— Que caidinho nada. Tava só olhando. E quem disse que ela é chinesa?
— Olhando, é? Mais de dez minutos? ...Mignon, cabelo liso, olho puxado... Não fala Japonês…
Se desconcertou. Dez minutos e nem tinha percebido. Será que sua irmã estava certa. Mas e daí? A moça era linda e da mesma faixa etária…
— Não é pro seu bico não, viu? Chinês só namora chinês!
Antônio Carlos não falou mais nada mas ficou remoendo a idéia. Alguma coisa tinha que fazer. A primeira seria se aproximar da moça. No mesmo dia, à tarde, foi ao seu encontro enquanto ela regava as plantas da frente da casa.
— Bom dia! - Puxou papo.
— Bom dia? Boa Tarde, né? — Contrapôs num Português arrastado.
— Desculpe! É que fiquei nervoso... — quis alongar.
— Português, no. No ablo! No, no, no, nada… — Disse e sorriu. E depois complementou baixinho, como se esperasse um não entendimento por parte de Antônio Carlos — I don't speak portuguese!
Foi um sorriso tão lindo que o rapaz entendeu como uma aceitação de amizade com perspectivas de algo mais. Imaginou ela subindo ao altar para casar-se consigo. Mas o máximo que conseguiu dizer foi "Me too!". O que deixou a moça meio confusa. "Como assim, não fala Português, também?", pensou ela. Na verdade ele queria dizer que não falava inglês. Mas seu inglês era tão ruim que nem pra isso servia. Sem querer dar continuidade à conversa a moça terminou o serviço, acenou com a mão, disse “tchau” e entrou.
Antonio Carlos não parou de pensar no ocorrido por todo o resto da tarde. À noite quando tentava jogar um novo jogo no seu Smartphone, parou o dedão no ar quando quase clicou um "x"-fecha-janela de uma propaganda. Foi como magia. Em letras garrafais estava ali, "Mandarim em dez lições". Baixou o app no mesmo instante.
Eram dez lições grátis que faziam um pequeno intróito. Mas havia outras centenas delas, caso a pessoa quisesse aprender alguma coisa mesmo. Antônio Carlos movido pela euforia da conquista comprou um pacote. E passou a estudar com afinco todas as horas que tinha de sobra. Depois comprou outro e mais outro... Ele Fazia o terceirão e o pré-vestibular. Então deixou por algum tempo toda a vida social de lado. E foi além: Gastou o dinheiro do Tablet novo, presente da mãe, em aulas extras numa escola de Mandarim clandestina. E tudo em silêncio, sem revelar a ninguém seu plano.
O entretenimento foi tamanho que Antonio Carlos nem percebeu que a vizinha "chinesa" foi passear na Coreia do Sul. Ficou sabendo pela irmã, que era uma fofoqueira de mão cheia que ainda alfinetou o irmão.
— É bobão mesmo deixou a menina ir embora e nem falou com ela…
— Falei sim! Saiba você que levei um longo papo com ela.
— Tá bom! Como? Se ela não fala Português e você nenhuma outra língua. Aliás, nem o Português direito.
Engoliu seco. Quase revelou que estava aprendendo Mandarim. Mas se conteve. Já dava por encerrada a conversa quando a irmã consolou-o.
— Volta no ano que vem, no início das aulas…
"Essa gosta de fofoca mesmo! Sabe tudo!", conjecturou Antônio Carlos. Quando ela voltasse encontraria um verdadeiro falante de mandarim. Tudo daria certo.
Pois o empenho foi tamanho que Antônio Carlos já conversava em chats da internet com novos colegas chineses. Mas o foco não tinha perdido. Seus pais acabaram descobrindo e acharam estranho esse interesse pelo Mandarim, mas como eram "pró-cultura" não se opuseram e até incentivaram. "Quando formos à China, teremos nosso próprio intérprete", aviltou sua mãe. Sua irmã desconfiava da verdadeira intenção mas silenciou; Provavelmente uma tática para captar mais e poder fofocar depois.
A "chinesa" voltou. E logo no primeiro dia Antonio Carlos investiu:
— "Ni hao" — “Olá” em Mandarim e continuou nessa língua, sofrível mas entendível - Boa tarde. Você voltou mais linda!
A moça ficou assustada, assim como se não estivesse entendo os acontecimentos... Demorou um pouco e respondeu.
— Só Coreano! Sou de Coreia!